Supertele nacional ou simplesmente Telegangue

30/06/2016 às 07:22 Ler na área do assinante

Nos anos 50 e 60 do século passado a telefonia no Brasil era precária e obsoleta. Em 1965, no governo Castelo Branco, foi criada a Embratel, empresa de economia mista de controle estatal, para atuar na longa distância do sistema de telefonia. Em 1972, pela lei nº 5.792, foi criada a Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás) com a incumbência de centralizar, padronizar e modernizar as diversas empresas de telecomunicações concessionárias de serviços públicos que existiam, além da Embratel.

A Telebrás foi desativada pelo governo FHC em 1998 e reativada por Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 para gerir o Plano Nacional de Banda Larga, as infraestruturas de fibra ótica da Petrobrás e da Eletrobrás e o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações.

As empresas do Sistema Telebrás eram responsáveis pela operação e gerenciamento das redes de telecomunicações no Brasil, ou melhor, pelos sistemas de telecomunicações. O serviço era limitado e as linhas de telefone fixo eram supervalorizadas no mercado paralelo, isto porque o cliente aguardava pelo prazo de três a seis anos para receber uma linha telefônica fixa.

O Sistema Telebrás foi privatizado em função de uma mudança constitucional no ano de 1995, e com a promulgação da Lei Geral de Telecomunicações que visava a ampliação e a universalização dos serviços de comunicação e o enxugamento da máquina estatal, seguindo a orientação prevista pelo Consenso de Washington.

Os governos militares investiram pesado na infraestrutura de telecomunicações. Em nome da segurança nacional criaram o sistema Telebrás para atender todo o território, mudando as características do país. A partir de 1985, com o famigerado governo Sarney, os investimentos no setor foram suspensos, enquanto as necessidades cresciam. No governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), final dos anos 90 (depois de Fernando Collor e Itamar Franco), o sistema Telebrás estava dilapidado e exigia investimentos na ordem (estimado) de R$ 100 bilhões. O neoliberalismo estava em plena efervescência e o Tesouro Nacional não tinha caixa para tal investimento. O governo, então, decidiu privatizar a telefonia brasileira.

Para consecução do programa de privatização, a Eletrobrás foi dividida em 12 empresas que seriam leiloadas em lotes. Três empresas de telefonia fixa (Telesp, Tele Centro Sul, Tele Norte Leste), oito empresas de telefonia celular (Telesp Celular, Tele Sudeste Celular, Telemig Celular, Tele Celular Sul, Tele Nordeste Celular, Tele Centro Oeste Celular, Tele Leste Celular e Tele Norte Celular) e uma empresa de telefonia de longa distância (a Embratel). O patrimônio era avaliado em US$ 92 bilhões, e o governo detinha o controle acionário do sistema com 20% das ações.

Ocorreu que parte dos lotes (Telesp e Telebrás) era o “filé” cobiçado pelas multinacionais do setor, mas para grande parte dos lotes não havia comprador, exigindo a interferência do setor público. O Ministério das Comunicações, veladamente, organizou um consórcio de empresas nacionais para a empreitada.

Sergio Mota, então ministro das Comunicações, estruturou o modelo que seria utilizado no processo de privatização. Entretanto, morreu meses antes do leilão ser realizado. Foi substituído por Luiz Carlos Mendonça de Barros. O leilão para “venda” (melhor seria dizer doação) das ações aconteceu em 29 de julho de 1998, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, arrecadando (apenas) R$ 22,058 bilhões.

A Telesp foi arrematada pela Telefónica de Espanha por R$ 5,783 bilhões; a TeleCentro Sul, depois renomeada para Brasil Telecom, foi arrematada pelo consórcio liderado pelo Banco Opportunity, Telecom Itália e fundos de pensão (que Luiz Carlos Mendonça de Barros chamou de “telegangue”), pelo valor de R$ 2,07 bilhões; a Tele Norte Leste (a maior), depois renomeada para Telemar, foi arrematada por R$ 3,434 bilhões; a EMBRATEL foi arrematada pela empresa norte-americana MCI Internacional (antiga WorldCom) por R$ 2,65 bilhões. A empresa MCI Internacional entrou em concordata nos EUA e o controle acionário da Embratel foi vendido para a Telmex.

As denúncias de corrupção repercutiram no mercado internacional de tal forma que levou à queda de Luiz Carlos Mendonça de Barros (Ministro das Comunicações), André Lara Resende (presidente do BNDES), Ricardo Sergio de Oliveira (diretor da área externa do Banco do Brasil) e Jair Bilachi (presidente da Previ). O caso foi abafado e nada mais se falou a respeito.

A Telemar Norte Leste S.A., fundada em 1998, era composta pelas empresas dos 16 Estados de sua área inicial de atuação (Telerj, Telest, Telergipe, Telasa, Telpe, Telpa, Telern, Teleceará, Telepisa, Telma, Telepará, Telamazon, Teleamapá, Telaima, Telemig e Telebahia), com sede no Rio de Janeiro. Em 2001 as 16 empresas foram integradas, dando origem a uma empresa única.

Para fiscalizar o mercado foi criada a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel). Também foi instituído o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), constituído pela cobrança de uma pequena porcentagem nas contas de telecomunicações pagas pelos consumidores, e tinha por objetivo subsidiar operações em regiões carentes e comunidades com menos de 100 mil habitantes.

O FUST, inicialmente, se restringia à aplicação de recursos em projetos ligados à rede comutada de voz. Em 2007, dada à dificuldade de utilização dos recursos, o fundo acumulava R$ 6 bilhões. A Anatel e suas concessionárias, então, decidiram pelas trocas de obrigações pendentes destas empresas, por uma utilização mais ampla dos recursos do fundo, de forma a atender as novas necessidades da sociedade frente à modernização tecnológica, como a ampliação da rede de internet banda larga. O governo, em 2010, voltou a ser acionista majoritário da Telebrás que, então, tornou-se a empresa gestora dos recursos do fundo.

Em 2002 foi criada a Oi, braço de telefonia móvel da Telemar Norte Leste S.A. e, em 2007, a Oi tornou-se a marca única de todos os serviços. Em 2005 a Oi, inexplicavelmente, investiu R$ 5 milhões na desconhecida Gamecorp, empresa de games que tinha Fábio Luís Lula da Silva (o Lulinha) como sócio.

Em 2008 o então presidente Lula mudou a Lei Geral de Telecomunicações para que a Oi pudesse comprar a Brasil Telecom, que era controlada pelo banqueiro Daniel Dantas (dono do Banco Opportunity) e trouxe consigo uma dívida de R$ 1,2 bilhão. Lula também articulou para que o BNDES e os fundos de pensão de estatais entrassem no negócio. A partir de então a Oi passou a operar em São Paulo e, em 2009, foi efetuada a aquisição da Brasil Telecom S/A e a subsequente integração das operações da Telemar, dando origem a uma companhia de telecomunicações com controle acionário 100% nacional. Passou, então, a atuar no Brasil inteiro e na base brasileira de pesquisa Antártida.

Hoje a Oi divide a liderança nacional de telefonia fixa com a Telefonica (cada uma delas com um terço do mercado) e é a quarta operadora em telefonia móvel, com um quinto dos usuários. É a maior operadora de telecomunicações do País, em abrangência territorial (quase 3.000 municípios), com mais de 70 milhões de clientes, responsável por 15 milhões de telefones fixos e uma rede nacional de 330 mil quilômetros de fibra ótica. Também é possuidora de uma dívida de R$ 65,4 bilhões, sendo que os principais credores são estrangeiros: Bank of New York Mellon, Citibank, Anatel, Banco do Brasil, BNDES, China Development Bank, CEF e Itaú BBA.

O presidente Lula, em 2010, interferiu para que a Portugal Telecom comprasse 23% do capital da Oi. Em 2011 as duas empresas se fundiram e a nova tele passou a operar no Brasil, Portugal e África. A PT injetou R$ 14 bilhões, mas trouxe uma dívida escondida de 897 milhões de euros.

A Oi, ingovernável, entrou com pedido de recuperação judicial de R$ 65,4 bilhões, mas sua dívida inviabiliza qualquer tipo de negociação. Novamente caiu no colo do povo brasileiro.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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