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A judicialização da política e a politização da justiça

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Os socialistas clássicos – século XIX e começo do XX – lutavam por uma sociedade mais justa e igualitária, para o que a tomada do poder político – ainda que por meios violentos (já que até então não vigia o regime democrático) – representava apenas um meio para se alcançar a sonhada utopia.

Por isso se declaravam “revolucionários” e anticapitalistas, portadores de uma ética e de uma visão de mundo capazes – assim acreditavam – de construir o “paraíso terrestre” – onde, de cada um, haveria contribuições (ao coletivo) segundo suas capacidades e, a cada um, retribuições (do coletivo) segundo suas necessidades.

Foi nessa época, no fragor das lutas sociais por mais direitos econômicos (trabalhistas) e pela universalização dos direitos políticos (ora restritos a homens e proprietários), que foi emergindo, paulatinamente, o que hoje se denomina de “democracia liberal”: uma conquista centenária da sociedade de massas, protagonizada, em primeiro plano, pelas classes menos favorecidas e pelos movimentos sociais – e não uma iniciativa da burguesia dominante, como alguns pretendem rotular, facciosamente, o mérito popular da façanha.

A democracia contemporânea, assim, na qualidade de conquista histórica dos povos e da humanidade, importa, por toda a sua genética evolutiva, num triunfo coletivo da maioria das gentes, plasmada, nesse sentido, com o carimbo de valor universal, a ser defendida, indistintamente, por todos os segmentos societários (independentemente de origem, classe ou gênero) enquanto valioso e inalienável patrimônio comum.

Trata-se de uma forma de governo que, por seu arcabouço intrínseco, consolidou-se como modelo superior a outros regimes políticos à medida que logrou garantir, dentre outras vantagens comparativas, a convivência civilizada do pluralismo de tendências, a plena liberdade de organização e expressão e o celebrado instituto da alternância no poder – servindo, como tal, de oportunidade de ascensão e garantia de coexistência pacífica a todos os grupos politicamente divergentes, presentes nos diversos cenários.

Mas o socialismo de origem, que ajudou, diretamente, a alavancar toda essa grande transformação, metamorfoseou-se com o tempo. De ideal, virou ideologia. De doutrina, “religião”. De fim estratégico e transcendente, reles tática pragmática e oportunista.

O novo “esquerdismo” pós-stalinista, convertido em obcecada seita fundamentalista, expulsou a ideia de sociedade alternativa como máximo propósito para instrumentalizá-la, unicamente, enquanto meio e artifício justificador ao único (e empobrecido) objetivo que restou no horizonte das novas (e ludibriadas) gerações: a conquista do poder.

Sim, o poder pelo poder. A conquista do Estado a qualquer custo – inclusive com o recurso à contravenção – e a sua “eternização” para desígnios meramente corporativos, despóticos, de compadrio com seletos grupos econômicos e lúgubres organizações criminosas – sustentáculos financeiros e desfrutadores lucrativos da vigência do arbítrio totalitário.

Por isso e nesse diapasão, desde então, já não importa tanto “ganhar eleições” (dentro das regras), quanto “tomá-las”, “raptá-las”, seja por fraude direta, sigilosa e velada, seja, indiretamente, pelo domínio estratégico dos principais espaços decisórios do Estado (Parlamento, Ministérios, Cortes de Justiça, demais órgãos da magistratura, etc.) – capturados e aparelhados para reverter, na prática, sempre que necessário, a vontade popular expressa nas urnas e garantir, nas coxias do sistema, a prevalência dos interesses cabulosos do bloco oligárquico (establishment) no poder.

Assim, com o andar da carruagem, a democracia contemporânea, de espaço aberto às conquistas populares, pelo voto (como preconizado pelo modelo), foi sendo operacionalizada, ladinamente, em favor de plutocratas e oligarcas de todas as insígnias (da “esquerda” à “direita”), sócios remidos de uma mesma e convencionada pilhagem – alterando-se, em consequência, o DNA originário do regime.

Ao final do processo, o antanho “socialismo revolucionário” acabou se transfigurando, ironicamente, sob o dissimulado eufemismo de “progressismo”, em nada mais que instrumento “vanguardista” do grande capital, de utilíssima “funcionalidade” tanto para banqueiros e graúdos financistas, quanto para latifundiários tecnológicos e midiáticos globais – da mesma forma que o Estado, sob o domínio do crime organizado, verteu-se em “comitê executivo” da delinquência oficializada.

É essa “dialética” que explica, na raiz, um fenômeno bastante evidente no Brasil de hoje (e alhures), absolutamente patológico (do ponto de vista republicano) em sua notória e deletéria manifestação: a judicialização da política e a politização da Justiça.

Tratam-se de faces ou dimensões de uma mesma e singular dinâmica, com suas umbilicais estratégias devidamente combinadas, todas focalizadas num mesmo e único objetivo: o uso taticamente traçado dos múltiplos aparelhos de Estado (conforme o caso) para fins antirrepublicanos e antidemocráticos, conquanto mecanismos de reversão das iniciativas

desalinhadas aos interesses do establishment e de impedimento da governabilidade de lideranças eventualmente dissonantes ao esquema – ainda que sufragadas e legitimadas pelo voto popular.

Ora é o Poder Judiciário que é acionado para compensar interesses feridos de comparsas derrotados, democraticamente, no Parlamento (ou nas liças da sociedade civil), ora são os próprios ministros de Tribunais Superiores que se lançam na arena política (a exemplo do STF e do TSE), em indecoroso ativismo judicial, na busca incessante de fazer valer a “vontade suprema” de seus superiores (e clandestinos) patrocinadores – tudo em congraçado e metódico revezamento!

Afinal, não é para esse infame e delituoso propósito, antes de mais nada, que “Suas Excelências” são politicamente “selecionadas” e guindadas aos Tribunais Superiores e à Corte Suprema?

Sim, a democracia foi convertida, ao fim e ao cabo, numa farsa, numa cilada; e o povo, por tabela, relegado ao papel subserviente de “bobo da Corte” – com o único direito de vaiar ou aplaudir os protagonistas do espetáculo, circunscrito à condição passiva e subalterna de perpétua e inofensiva plateia.

Quem manda hoje no pedaço, de verdade, não aparece em cena. Mantém-se na obscuridade, hermética e intangível, da contravenção sincrônica e imperscrutável – espécie de “sociedade anônima” do crime globalmente institucionalizado.

São poucos e biliardários grupos financeiros que, de tentáculos espalhados por todo o mundo e estruturados em teias complexas de inconcessos rendimentos (incluído o narcotráfico), subsidiam e patrocinam, em níveis nacional e regional, regimes políticos, conselhos de Estado, agências de desenvolvimento, agremiações partidárias, frentes parlamentares, juízes e magistrados, meios de comunicação de massa, organizações não-governamentais, etc. – com os seus respectivos agentes locais atuando nas múltiplas instâncias do poder, regados por avultadas pecúnias, seletivos privilégios, além de outras (e “atraentes”) benesses complementares, “proporcionais” ao papel desempenhado por cada um no tabuleiro das artimanhas.

Eis a razão, e a explicação, em poucas linhas, para a deletéria enfermidade sistêmica que contamina o atual panorama político nacional (e internacional), ameaçando de morte as árduas e centenárias conquistas democráticas do Ocidente (direitos e liberdades) e anunciando, em pleno século XXI, o ressurgimento inesperado e avassalador do arbítrio fascista totalitário, disfarçado e glamourizado de “vanguardismo progressista” – fenômeno que até bem pouco tempo parecia ter ficado para trás, a título de pesarosa anamnese, nas memoriosas anotações e assinalados registros dos versados livros de História.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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