Política de extorsão e democracia de coalização

29/07/2016 às 07:09 Ler na área do assinante

Democracia é um termo originado no grego antigo demokratia (governo do povo) criado no século V antes de Cristo para qualificar os sistemas políticos existentes nas cidades-estados gregas, principalmente em Atenas. Aristocracia é um antônimo (sentido contrário) mas, de fato, nuances aproximam as características dos dois regimes. Historicamente nunca existiu democracia ou aristocracia plena.

Aristocracia, para Platão, compreendia a fusão da virtude e da sabedoria, cabendo aos sábios, aos melhores, dirigir o Estado. Para Aristóteles o poder deveria ser entregue aos melhores cidadãos, aos que tivessem melhor formação moral e intelectual. Assim, os gregos antigos deixaram um enorme legado democrático (irrigado de estamentos aristocráticos) para as populações ocidentais que podem escolher seus governantes, em quase todos os níveis administrativos, por meio de eleições livres.

Teoricamente seriam escolhidos os melhores representantes, os mais aptos para a governança coletiva em benefício de todos. Sempre foi um sonho magistral das massas populares, sem dúvida, mas nunca encampado pelas elites (as aristocracias – econômicas, religiosas, militares, dos sábios).

Os políticos brasileiros, entretanto, ao longo das eleições construíram uma excrescência partidária de escolha prévia (as convenções) que não deixa alternativa real para os eleitores. Como o voto é obrigatório o eleitor tem que votar nos candidatos escolhidos pelos donos das 33 siglas partidárias (que nada representam em termos ideológicos ou programáticos), ou sofrerá sanções em seu direito de cidadania. Uma vez no poder, os “defensores do povo” desenvolvem as políticas que melhores benefícios pessoais tragam para si e seus grupos (caso Banestado, a privataria, o mensalão, o petrolão e tantos outros jogados nas sombras dos corredores governamentais).

Toda vez que chega uma nova eleição o passado recente é esquecido e tudo recomeça como se nada tivesse acontecido, como no caso da mundana que toma um banho. Os eternos governistas Renan Calheiros, José Sarney, Romero Jucá, Jader Barbalho e outros tantos são exemplos vivos desse incontestável fato. A pseuda esquerda (de todos os matizes) aprendeu fácil o caminho, e até aperfeiçoou em alguns casos, tornando tudo igual no “quartel de Abrantes”. A coalização (acordos espúrios entre os partidos políticos) em nome da governabilidade virou rotina.

Hoje mais de 62% da população, segundo o Datafolha, quer “eleições gerais já” porque rejeitam Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB). Mas se tal coisa acontecesse, as opções apresentadas pelos 33 partidos políticos também seriam rejeitadas, tal a desmoralização do sistema político. Entretanto, os donos do poder não se impressionam com essa realidade porque sabem que os eleitores serão obrigados a votar, e que eles continuarão mandando, quaisquer que sejam os resultados das urnas.

O que dizer então das eleições municipais que acontecerão no segundo semestre deste ano? Nada que possa reacender as esperanças dos eleitores, descrentes ao extremo. Não há qualquer possibilidade de mudanças do atual cenário político-partidário para os próximos 16 anos. Quem viver verá.

O esquema nas cidades maiores, onde há segundo turno, é apresentarem-se inúmeros candidatos a prefeito no primeiro turno para aproveitarem os minutos e segundos do horário gratuito de rádio e televisão, bem como a captação de recursos legais e do caixa dois, além do Fundo Partidário. Coligações são feitas com o objetivo de elegerem vereadores, descomprometidos com qualquer programa de governo. O passado é esquecido, inclusive os das antigas siglas dos candidatos.

No segundo turno, quando apenas dois candidatos disputarão o cargo de prefeito, as negociações de apoio incluem cargos, recursos financeiros e obras. Os candidatos prometerão tudo, o imaginável e o totalmente impossível de se realizar, porque sabem que não serão cobrados pela população que tem memória curta. O que importa é ganhar o premio maior, a qualquer custo, porque serão recompensados.

Campo Grande é um exemplo vivo desse descalabro. A sofrida “Cidade Morena” é cruelmente maltratada por seus políticos. No regime militar, quando os prefeitos eram nomeados pelos governadores, cidadãos inexpressivos e incompetentes foram agraciados com o cargo, por motivos vários. Depois vieram os “aventureiros”, os “paus rolados” e suas obras faraônicas que destruíram a memória do município, mas deixaram gordas propinas e muitos novos milionários.

As exceções devem ser ressaltadas, como é o caso do ex-prefeito Plinio Barbosa Martins, entre outros.

Eis que, quando tudo indicava que o povo estava politicamente conscientizado dos prejuízos provocados por esses governantes inconsequentes; quando se imaginava que as oligarquias (grupos familiares e grupos econômicos acomodados em um hegemônico partido político) irresponsáveis seriam banidas, aconteceu o pior. O povo resolveu protestar e entregou o poder para outros sedentos oligarcas.

Na última eleição municipal Edson Giroto (PMDB), tendo a máquina do Estado (com André Puccineli), a máquina da Prefeitura (com Nelson Trad Filho) e o empresário João Amorim (Solurb e outras empresas) ao seu lado, liderava folgado as pesquisas. Três outros candidatos fizeram um pacto para enfrenta-lo (o que fosse para o segundo turno receberia o irrestrito apoio dos outros dois, e loteariam a prefeitura entre eles): Reinaldo Azambuja (PSDB), Vander Loubet (PT) e Alcides Bernal (PP). Ganhou o último e com ele vieram Gilmar Olarte (vice) e o pior elenco de vereadores (29 ao todo) da história local, e toda uma camarilha de sugadores da administração pública.

Foi o caos. A prefeitura foi loteada, mas os loteadores não se satisfaziam e queriam sempre mais. O PMDB não se conformou e partiu para a luta: convocou seus vereadores e seus empreiteiros para a batalha final: Bernal foi deposto, assumindo o vice Olarte – novo loteamento do poder e das benesses. A “coalisão partidária” vencedora nas urnas reagiu e derrubou Olarte, voltando ao poder com Bernal e com a cassação de vários vereadores. Um “balaio de gatos e de gatunos” em luta campal detonando os cofres públicos, sob os olhares estarrecidos da população.

A educação, a saúde, o transporte coletivo, as ruas esburacadas, o saneamento básico, as finanças municipais e tudo o mais foram torpedeados, subjugados aos mesquinhos interesses menores dos 33 partidos políticos. A mesquinharia e o desrespeito à opinião pública são uma constante, as intrigas e as briguinhas entre vereadores, prefeito, altos comissionados e empreiteiros tornaram-se tão corriqueiras que não mais chamam a atenção de quem quer que seja.

Agora está na hora da “onça beber água”. Todos os vereadores (e o próprio prefeito) querem se reeleger, mas terão que enfrentar os que querem voltar ao poder, porque esse é o melhor negócio do mundo. E, além do mais, tem os novos candidatos que também querem uma boquinha (afinal também são filhos de Deus). Apesar de os novos não serem santos (todos querem beliscar o fundo partidário e outras receitas), o melhor é não reeleger ninguém, e também não eleger quem já foi prefeito ou vereador.

Entretanto, a “política de extorsão” e a “democracia de coalização” serão preservadas pelos donos do poder alojados no Congresso Nacional, a qualquer custo. Nas reuniões para acerto das coligações costumam dizer para quem discorda dos esquemas: “chora bugrada que o pranto é livre”.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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