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Liberdade de expressão, responsabilidade e busca pela verdade

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“A liberdade não é como nos dizem: licença para qualquer um fazer o que bem lhe apraz – porquanto quem estaria livre, se o capricho de qualquer outra pessoa pudesse dominá-lo?” John Locke
“Todo silencio que se impõe à discussão equivale à presunção de infalibilidade” John Stuart Mill

Atualmente algumas categorias são usadas indiscriminadamente, como “mantras”, os quais são evocados em situações as mais diversas. Um desses “mantras” é a “liberdade de expressão”.

(Por “mantra” entendo aquela palavra ou expressão utilizada de forma assignificativa, isto é, que não denota coisa alguma, mas que busca causar um efeito emotivo, não racional).

Mas, afinal, que é a “liberdade de expressão”? Em que ela consiste?

São várias as formulações que essa ideia recebeu ao longo da história, estando especialmente presente em autores ‘liberais’ tais como John Locke (1632-1704) e John Stuart Mill (1806-1873). Em ambos encontramos “pistas” para compreendermos em que consiste tal ‘liberdade’.

Por certo a busca pela “liberdade de expressão” não começa com eles nem se reduz a eles. Mas neles ela aparece sistematizada e em um sentido muito próximo de como é adequado entendê-la em democracias constitucionais que prezam, antes dos direitos e liberdades, a pessoa humana (fundamento daqueles).

Assim, a ideia de pessoa humana é a base de liberdades e direitos. Sem ela como fundamento as elaborações teóricas atinentes a essas ideias são vazias.

Mas que é a pessoa humana?

Ora, a pessoa humana pode ser compreendida, filosófica e antropologicamente, especialmente a partir de dois aspectos: sua individualidade e sua sociabilidade. A unidade desses dois aspectos aparentemente inconciliáveis reside na ideia de ‘bem comum’.

Acerca de nossa individualidade, dir-se-ia que ela consiste no caráter único que possuímos e em virtude do qual temos desejos, anseios, projetos e, é claro, uma ideia de felicidade. Mas, por outro lado, somos sociáveis, ou seja, nos realizamos também no horizonte da alteridade. Ninguém desenvolve sua humanidade sozinho, fora de uma comunidade.

Aliás, mesmo categorias (frequentemente usadas como “mantras”) tais quais as de ‘igualdade’, ‘liberdade’, ‘direitos’, etc, só fazem sentido na vida comunitária. Quem, em uma ilha remota, sozinho, evoca direitos? Tal demanda apenas faz sentido em comunidade. A comunidade é o horizonte de significado de categorias tais quais as citadas.

Assim, se por um lado há em nós elementos que caracterizam nosso aspecto sui generis, parte do que somos também carece de nosso entorno, da comunidade (dos demais e de nossas instituições e valores). Existe, em nós, uma espécie de “plasticidade”, a qual permite que o meio em que nos encontramos influencie (“molde”), em alguma medida, o desenvolvimento de nossa ‘pessoalidade’.

Em suma, pessoa humana é um indivíduo que necessita de um ambiente comunitário (humano) para poder realizar-se. A essa realização está ligada intrinsecamente sua felicidade, ou, como diriam os gregos na antiguidade, sua eudaimonia (“florescimento humano”). Não apenas isso, sua realização, ou florescimento humano, está alicerçada sobre aquele aspecto que lhe individualiza na natureza mesma: sua ‘razão’ (Logos, ratio). Os gregos, na aurora da filosofia, tinham clareza sobre isso, como podemos depreender, por exemplo, da famosa frase atribuída ao filósofo pré-socrático Heráclito (535 a.C. - 475 a.C.), que escreveu:

“Se a felicidade estivesse nos prazeres do corpo, diríamos felizes os bois, quando encontram ervilha para comer”.

Nesse sentido, eles, os gregos, tinham clareza acerca da distinção entre hedonia (busca por prazeres, pela mera satisfação corpórea) e eudaimonia (nossa realização enquanto pessoas humanas, a qual está ligada à nossa atividade racional). Vejam: essa distinção repercutirá ao longo da filosofia e será um dos pilares da civilização.

Ela será sistematizada, por exemplo, por Tomás de Aquino (1225-1274), o qual, sob influência de Aristóteles (384 a.C-322 a.C) e de Boécio (477-524), afirmará que temos 1. Algo “em comum com todas as substâncias”, 2. Algo “em comum com os demais animais” e 3. Algo “segundo a natureza da razão, que lhe é própria”. Isso significa dizer que, por exemplo, 1. Tal como a natureza vegetal desempenhamos funções elementares, como respiração, digestão, etc. 2. Tal como os demais animais somos sencientes, sentimos dor, prazer, frio, etc. 3. E, por fim, nos é próprio agir de acordo com a razão (algo do qual somente nós somos capazes).

Eis, pois, nossa “função própria”: agir a partir da razão (logos, ratio). Nossa “plena realização” estaria atrelada, pois, ao uso de nossa razão.

E eis que chegamos a um aspecto nuclear da gênese da ideia de “liberdade de expressão” tal como a estou desenvolvendo aqui: seu vínculo com o Logos. E isso não ocorre ao acaso. Afinal, para os gregos o mesmo termo usado para ‘razão’ era usado para ‘discurso’ (expressão): Logos. Assim, o Logos (a razão) seria necessário à busca pela verdade e, também, para a vida política (em sociedade). Com efeito, com isso chegamos a um ponto importante, a saber, a um dos elementos inerentes à liberdade de expressão, qual seja, que ela é uma atividade de nossa natureza racional. E tal aspecto é essencial, pois é pela racionalidade que nos unimos uns aos outros.

A forma tal como nos sentimos diante de um evento é algo subjetivo, restrito ao sujeito. Mas aquilo que pode ser pensado, conhecido, desse evento, dá a ele inteligibilidade e o torna objetivo. A maneira indiferente como (eu) me sinto, por exemplo, diante da natureza, difere da compreensão que (nós) temos de que ela deve ser protegida em alguma medida. Portanto, a compreensão (que tem como medium a razão) é o ponto de união entre nós e assegura um consenso racionalmente motivado.

Noutros termos, a racionalidade é o “terreno comum” que percorremos juntos. E esse “terreno comum” é o plano de nossa humanidade (daquilo que nos particulariza como humanos). No caso do objeto de nossa reflexão, a ‘liberdade de expressão’, ela deve, portanto, ser orientada pela razão (não por preferências subjetivas, como sentimentos, por exemplo). Dessa maneira, a ‘liberdade de expressão’ deve ser uma atividade investigativa comprometida com a busca pela verdade (ainda que jamais a alcancemos). Isso traz implicações importantes para o debate.

Na tradição filosófica (em seus primórdios) uma obra que nos apresenta de forma breve e paradigmática essa questão é o diálogo Críton, de Platão (428/427-348-347 a.C). Nesse diálogo, um dos mais fascinantes paradigmas do filosofar que encontramos na tradição filosófica, Críton, lamentando a possibilidade de perder o amigo e mestre Sócrates, sugere uma fuga. Ele articula a fuga de Sócrates com o auxílio de alguns amigos, os quais providenciaram dinheiro para assegurar que o plano se realizasse, sendo que já havia inclusive arranjos para que ele seguisse para Tessália, onde seria recebido e acolhido.

Críton levanta diversas questões com o propósito de convencer Sócrates, afirmando, por exemplo, que Sócrates cometeria uma injustiça se aceitasse a pena (morte por ingestão de cicuta) que lhe foi aplicada. Afinal, ele estaria fazendo exatamente o que seus inimigos queriam. Não apenas isso, ele estaria traindo seus amigos e filhos. O problema, aqui, é que Críton estaria usando de argumentos inaceitáveis para Sócrates.

Sua tentativa de convencer Sócrates envolvia recorrer a sentimentos e à vontade da maioria (seus amigos). Não obstante, ao longo de toda sua vida Sócrates adotou como critério, como “bussola”, a razão (Logos). Esse é, aliás, um dos muitos aspectos notáveis da filosofia “clássica”: seu apego à razão e sua visão depreciativa da mera opinião (sensivelmente motivada).

Por tudo isso, usarmos da “liberdade de expressão” implica em o fazermos tendo em vista a verdade e em assumirmos a responsabilidade pelo que afirmamos. Ela não é uma expressão vazia: seu significado está arraigado ao menos a essas duas condições.

E, tanto buscar pela verdade quanto assumir responsabilidade são aspectos essencialmente humanos, parte do que nos torna humanos.

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