Por que idolatrar Putin e embarcar no eurasianismo são péssimas escolhas

18/12/2021 às 13:01 Ler na área do assinante

Tenho visto há algum tempo um chamego entre conservadores com Vladimir Putin, o todo-poderoso líder russo. Diversos perfis no Twitter de bolsonaristas – não julgo o caráter de ninguém, até mesmo creio na boa vontade deles – apresentam-no como um bastião do conservadorismo frente a um Ocidente dominado pelo esquerdismo.

Lamento informá-los, mas Putin não é referência alguma para quem se define conservador. Sua trajetória, ações e mesmo influências intelectuais dizem o contrário da versão tradicional apresentada pelos seus novos admiradores. A barca furada do eurasianismo – movimento político-ideológico que prega um mundo multipolar com a hegemonia russa – não é um refúgio aceitável.

Vladimir Putin fez carreira na KGB, a polícia secreta da União Soviética responsável pelas maiores barbaridades do regime comunista dessa antiga superpotência. Internamente a KGB cuidava de garantir a estabilidade do Kremlin, e externamente a função era interferir em outras nações, bem como dar cabo de dissidentes que haviam desertado. Em suma, ela era o símbolo do comunismo em suas piores faces.

O próprio Putin lembra com carinho dos anos como agente, além de ter falado que ‘’não existe essa de ex-KGB’’. Não é difícil acreditar nisso, pois a KBG virou a FSB – atual serviço de inteligência russo – e o seu poder de alcance aumentou consideravelmente após o atual líder russo assumir o governo.

Além disso, Putin nada fez contra os membros da nomenklatura comunista, pois nenhum torturador ou assassino a serviço da ditadura soviética pagou pelos seus crimes ou recebeu alguma condenação judicial.

Foram eles que da noite para o dia transformaram-se nos bilionários do país com as privatizações do governo Yeltsin, conservando formidavelmente o poder dos tempos de URSS. Ou seja, a Rússia continuou uma ditadura de polícia secreta com os mesmos burocratas de sempre mandando e desmandando no país. Pouquíssima coisa mudou.

Há quem insista em apresentar a Rússia como reserva do tradicionalismo. É o cúmulo do cinismo. Ou da burrice, pois a mistura de ambos é o combustível número um dos equívocos e das tragédias vivenciadas pela humanidade.

Os partidários de Vladimir Putin e do eurasianismo – explicarei essa esquisitice mais tarde – choramingam que a Rússia sofreu uma degradação moral com a liberalização econômica promovida por Boris Yeltsin. Tal afirmação não é apenas falsa – entregar setores da economia para os burocratas de outrora passa longe do liberalismo – como também hipócrita.

O regime comunista soviético promoveu a degeneração no Ocidente através da aliança espúria com a new left, surgindo daí o progressismo como pauta cultural. Também é de sua responsabilidade a explosão do tráfico de drogas no mundo inteiro: o livro Red Cocaine: The Drugging of America and the West mostra como a Rússia agiu para transformá-lo em um problema global.

Na própria Rússia dos tempos soviéticos era visível a degradação moral. O roubo, a chantagem, a corrupção e a propina institucionalizadas faziam parte do modus operandi dos donos do poder, com tais práticas perdurando até hoje.

Tais características não são as esperadas de uma nação administrada há mais de três décadas por alguém que se propõe a restaurar os valores conservadores no mundo inteiro.

Putin virou um símbolo do conservadorismo para os mais desalentados pela falta de representação adequada dessa corrente política no Ocidente, pois a maior parte das lideranças nessa parte do mundo são progressistas. A Rússia virou o bastião da luta contra o globalismo fabiano dos bem-afortunados da ONU, do CFR e do Club Bilderberg.

Na prática a situação é bem diferente. O esquema russo-chinês forma junto com a elite fabiana e a Irmandade Muçulmana os três blocos de poder globais que disputam o controle do mundo.

Ambos sonham com a instauração de um governo mundial controlado por cada um deles, e nesse sentido existem alguns inimigos em comum: a moral cristã, as soberanias nacionais – especialmente a americana –, o capitalismo nos moldes laissez-faire e o individualismo.

Se a Rússia é mesmo o arauto do conservadorismo, por qual motivo o seu governo apoia com dinheiro e armas ditaduras comunistas e islâmicas no mundo inteiro? Os regimes autocráticos da Venezuela, de Cuba, do Irã e a própria China são grandes parceiros da Rússia, com todos eles tendo o antiamericanismo e o desprezo pela cultura ocidental como elementos em comum.

Como dizem alguns teóricos muçulmanos, o socialismo precisará de uma alma quando triunfar no Ocidente, e o Islã estará a postos para preencher tal lacuna.

Apregoar valores conservadores ao defender a Rússia de Putin não me parece uma atitude coerente. É inegável que o autocrata russo realiza uma defesa verbal dessa plataforma de forma corajosa e mesmo solitária, mas isso se deve mais pela falta de representação adequada do conservadorismo no Ocidente do que por alguma qualidade pessoal do supracitado.

Putin herdou um esquema de poder iniciado pela Revolução Russa, e a elite que dá sustentação a tal estrutura continua a mesma dos tempos de URSS. Como ele mesmo disse, não existe essa de ex-KGB.

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Carlos Júnior

Jornalista

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