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Vale o que está escrito... Nem sempre

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Eu venho de uma família de classe média. Não tenho vergonha de dizer, mas nas décadas de 60 e 70 meu pai era bicheiro. Sim, isso mesmo que você leu... considerado contraventor.

Embora você acredite que isso possa me causar algum tipo de vergonha ou constrangimento, você se enganou. Na realidade eu sempre tive orgulho do meu pai.

Meu pai era chamado "contraventor" mas nunca deixou de pagar corretamente um ganhador de qualquer prêmio do bicho. O jogo do bicho sempre foi pautado por uma máxima: VALE O QUE ESTÁ ESCRITO e nenhum bicheiro fazia sua própria interpretação da aposta para beneficiar quem quer que fosse, ainda que se tratasse de um irmão ou um amigo seu. E era chamado de contraventor.

Quando eu era pequeno, ai de mim se chegasse em casa com qualquer coisa que não me pertencesse. Além tomar uma bela surra, ainda seria obrigado a devolver o objeto para o dono, mesmo que fosse um pedaço de borracha ou um lápis. Meus pais me ensinaram que roubar um centavo ou um milhão não interessava: Era roubo do mesmo jeito, algo execrável e desonroso. Assim cresci acreditando nesses valores. Pois é... E meu pai era chamado de "contraventor".

Em 2017 o Ministro Lewandowski, acompanhado do colegiado, concedeu um habeas corpus (HC 138.697 ) a um bandido que havia furtado um celular. A alegação foi de que o celular, por ser de baixo valor, não caracterizava um delito grave para ser punido, ainda que o autor do delito fosse reincidente nessa prática, e o STJ por duas vezes tivesse negado o HC ao "anjinho". Então o STF criou, a partir dali o "crime relativo", uma figura inexistente no nosso código penal. Valores completamente diferentes daquele bicheiro que me ensinou que roubar uma balinha é errado, mas que para a sociedade era o contraventor.

O STF por diversas vezes deu sua própria interpretação à constituição, modificando completamente o seu sentido para beneficiar amigos e partidos, ainda que o teor do seu texto fosse claro, objetivo e inequívoco como o milhar sorteado no jogo do bicho. Eles apenas dizem que o número não é aquele, porque eles não querem que seja. Mas meu pai, que fazia prevalecer o "vale o que está escrito" é que era o contraventor.

Eu continuo tendo orgulho do meu pai e dele falo com carinho. O mesmo orgulho que eu duvido que um filho de um ministro do STF possa vir a sentir um dia, porque lá não vale o que está escrito.

É por isso que eu sempre digo às crianças: Meninos, estudem, senão vocês acabarão sendo ministros do STF!

Quem afinal é realmente contraventor?

Se tivéssemos no STF ‘bicheiros’ e não Ministros, muito provavelmente a Constituição seria respeitada, porque para o bicheiro... VALE O QUE ESTÁ ESCRITO.

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