CEGUEIRA (veja o vídeo)

04/06/2022 às 18:40 Ler na área do assinante

“Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”.  (Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago).

No livro o “O Mito da Caverna”, Platão nos diz que “todo o conhecimento a respeito das artes e da ciência tem o poder de despertar o melhor elemento da alma e fazê-lo ascender à contemplação do que é melhor entre as coisas que são, tal como o órgão mais claro do corpo foi conduzido à contemplação daquilo que é o mais resplandecente na região corpórea e visível. É ter acesso ao próprio ser de cada coisa”.

No “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago, “um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. É o primeiro caso de uma “treva branca” que logo se espalha sem nenhum controle. Um a um, essa “treva branca” vai deixando cegos os habitantes da cidade.

Note que a “treva não é negra”. É branca, sinônimo de pureza, bondade. É assim que ela se apresenta.

Saramago, assim como Platão quer nos obrigar a cerrar os olhos e ver a realidade, readquirir a claridade das coisas, o amor, a verdade.

Platão, no seu mito, nos explica que a caverna simboliza o mundo onde todos os seres humanos vivem. As sombras projetadas em seu interior representam a falsidade dos sentidos, enquanto as correntes significam os preconceitos e a opinião que aprisionam os seres humanos à ignorância e ao senso comum.

Saramago e Platão nos mostram como a ignorância pode provocar o mal. Um mal que nos torna prisioneiros sem que percebamos. Mal que nos faz pensar que uma nuvem branca, só por ser branca, símbolo de pureza, nos trará bem. Os dois nos mostram como somos prisioneiros de nossas mentiras, como divulgamos mentiras que acreditamos serem verdadeiras e essas mentiras provocam o mal.

Esses pensamentos nos levam a Rui Barbosa que nos diz:

“Mas o mal, e sobretudo o mal político, a terrível avariose brasileira, é essencialmente falso, falsídico, falsificador e refalsado.
Sutil, sonso e sotrancão, alonga a cara triste e severa, baixa o olhar incerto e divergente, engrossa o falsete, azeita a rispidez, varia o furta-cor da palavra insidiosa, fala todos os idiomas da mentira, pratica a sedução com os pequenos, com os grandes a baixeza, a arrogância com os humildes, com os poderosos a servilidade, envolve nas atitudes da nobreza os sentimentos da prostituição, e, professando não denotar nunca o que sente, não mostrar jamais o que faz, o chocalho nas mãos para a impostura, nos ombros, até a barba, a capa da traição, na cabeça, desabado para o rosto, o feltro das aventuras, com botas de sete léguas, foge do merecimento, da justiça, da honra, da lealdade; e, se pudera vender-se a si mesmo, atraiçoando a própria natureza, a si mesmo se vendera, como vendeu o Cristo para não desmentir a fatalidade da sua sina”.

Veja como a descrição de Rui é soberba: ele afirma que o mal político brasileiro “é essencialmente falso, falsídico, falsificador e refalsado”.

Olhem como esse Mal se expressa: Ele é “sutil, sonso e sotrancão, alonga a cara triste e severa, baixa o olhar incerto e divergente, engrossa o falsete, azeita a rispidez, varia o furta-cor da palavra insidiosa, fala todos os idiomas da mentira”.

Vejam como o político imbuído do Mal se comporta: ele “pratica a sedução com os pequenos, com os grandes a baixeza. A arrogância com os humildes, com os poderosos a servilidade”.

Notem a maldade em cada palavra, em cada maneirismo: “envolve nas atitudes da nobreza os sentimentos da prostituição, e, professando não denotar nunca o que sente, não mostrar jamais o que faz, o chocalho nas mãos para a impostura, nos ombros, até a barba, a capa da traição”.

E finalmente o mal desponta em todo seu esplendor como Judas fez a Cristo: “na cabeça, desabado para o rosto, o feltro das aventuras, com botas de sete léguas, foge do merecimento, da justiça, da honra, da lealdade; e, se pudera vender-se a si mesmo, atraiçoando a própria natureza, a si mesmo se venderia, como vendeu o Cristo para não desmentir a fatalidade da sua sina”.

Assista o vídeo e veja tudo isso em um homem só:  a “treva branca” de Saramago cegando tudo; os prisioneiros de Platão, resumidos e reunidos em um só homem em todo esplendor de suas mentiras, de sua ignorância e finalmente o mal descrito por Rui, expresso cinicamente, fruto de uma vontade diabólica, inata, desumana que sente prazer na maldade:

 

Saramago, Platão, Rui, nos mostram a importância do senso crítico e da razão. É necessário abrir os olhos e ver além das “trevas brancas”. É preciso se “libertar das correntes”. É imperativo perceber o mal que paira sobre o nosso país e que se apossou de todos os estamentos culturais da nação.

Aquele que se libertou das “trevas brancas”, da “caverna escura e suas correntes”, do “mal” que as mentiras provocam, tem o dever de voltar e ajudar o maior número de pessoas que puder a se libertar da ausência de conhecimento.

Um bom final de semana a todos.

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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