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Um sonho antigo: a salvação de Corumbá

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Segundo o querido poeta Manuel de Barros, Corumbá é um lugar onde as coisas desacontecem. Penso nisso quando ainda persiste a discussão da implantação de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) na região. Esta questão é historicamente recorrente e aparece sempre em momentos de crise econômica na cidade. Aliás, essa ideia salvadora não é uma novidade recente na história corumbaense.

Existem informações de que algo parecido já era sonho dos corumbaenses no ano de 1932. É claro que não eram ideias tão avançadas e modernas com as propostas e as facilidades econômicas que envolvem uma ZPE hoje.

Naquela época pensava-se que a tábua de salvação de Corumbá era a criação de um “Porto Livre”. É evidente que esta ideia não frutificou mas permaneceu latente como um desejo precioso a ser realizado.

Em 1967 este sonho voltou a ser revisto pela sociedade corumbaense, como registrava o jornal corumbaense O Momento, de 21.09.1967. Entre as ideias citadas pelo jornal estava a esperança na ligação terrestre de Corumbá com o resto do país, cortando o Pantanal. Ainda segundo o mesmo jornal, com a implantação do porto livre viria além dos benefícios trazidos pela estrada, a construção de uma refinaria de petróleo com o óleo trazido da Bolívia; a implantação da companhia Siderúrgica Mato-Grossense (Cosima) para a utilização da montanha de minério (manganês e ferro). Para o jornal, porém, a extração e a venda da tonelada por um preço aviltante era menor que uma dúzia de bananas (parece não ser uma novidade até hoje). Seria uma verdadeira revolução trazendo a implantação de outras indústrias. Como a história registra amargamente, nada disso aconteceu.

Faço a ressalva de que, em 1970, no governo de Pedro Pedrossian, foi inaugurada a estrada da Integração, passando pelo Porto da Manga, onde o rio Paraguai era atravessado por uma vagarosa balsa. Passei pela primeira vez nesta malfadada balsa em 1971, quando iniciei a minha carreira docente em Corumbá, na antiga Universidade Estadual de Mato Grosso. Por diversas vezes, cruzei a poeirenta estrada da Integração em velhos ônibus da Empresa Mato Grosso. Era uma verdadeira odisseia.

Para efeito de registro histórico curioso, quando cheguei em Corumbá, fiquei sabendo, para o meu espanto, que um grupo de corumbaenses (seria mesmo?) tinha feito um abaixo assinado para que essa estrada não fosse construída, sob a alegação de que a cidade ficaria vulnerável aos bandidos e aventureiros. Teria sido um posicionamento de um grupo que desejava impedir a vinda de concorrentes aos melhores empregos públicos criados na cidade, como se possível fosse manter uma “reserva de mercado”, no linguajar de alguns docentes do antigo Centro Pedagógico de Corumbá-UEMT (hoje UFMS).

Segundo esses “conservadores” era preciso defender os direitos e status da “prata da casa” para impedir que novos “paus rodados” (aqueles que vinham de fora) ocupassem esses postos, sobretudo os de nível federal, melhor remunerados. A bem da verdade, havia quem temesse perder o controle da cidade e o monopólio de cargos e empregos considerados mais nobres e pré-requisito do poder local.

Nos anos de 1990, em pleno governo Collor, o então deputado federal corumbaense Elísio Curvo tirou aquelas ideias de 1932 e 1967 do armário, com uma nova roupagem, mais moderna, e o pomposo nome de ZPE. Foi uma bandeira sem sucesso, muitas vezes ridicularizada pelos próprios corumbaenses. Mesmo assim, a ideia teimosamente continuou a persistir. Em 1993, por decreto do governo de Itamar Franco, foi criada a ZPE, mas ainda dependendo de leis complementares e regulamentares.

E, assim, a coisa continua se arrastando. Em 2007 foi então aprovada a ZPE, com emendas, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Vocês pensam que este calvário terminou? Os jornais então noticiaram que Bataguassu poderia ser a primeira cidade de Mato Grosso do Sul a ter uma ZPE em vista dos processos de Ponta Porã e de Corumbá arrastarem-se nos escaninhos do Planalto e não terem sido analisados. Pelo visto, Corumbá continuará a ver navios no rio Paraguai.

Como dizem os mais incrédulos, parece que existe uma caveira de burro enterrada nesses lugares. Vade retro!.

Valmir Batista Corrêa

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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