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Elisabeth I, Gandhi e o arbítrio jurídico no Brasil

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“Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo.” (Mahatma Gandhi) 

Lula é íntimo não apenas de políticos e empresários nacionais corruptos. Para manter a memória viva, relembremos uns poucos nomes da relação íntima de Lula, todos já condenados, presos e, infelizmente, libertados pelo STF, uma suposta Corte Suprema de Justiça, mas, na prática, uma Corte Penal totalmente aparelhada politicamente, de baixo nível intelectual e muito indulgente para com bandidos endinheirados:

Lula, Palocci, Delúbio Soares (“O nosso Delúbio”, segundo Lula), Fernando Pimentel, João Paulo Cunha, João Vaccari Neto, José Dirceu, José Genoíno, Paulo Bernardo, Aldemir Bendine, Gim Argello, Sergio Cabral, Marcelo Odebrecht, Leo Pinheiro, Jorge Luiz Zelada, Luiz Argôlo, ...

A lista dos amigos de Lula é enorme: são 116 condenados e 27 presos, inclusive Lula, claro.

Lula é membro fundador, junto com Fidel Castro, do Foro de São Paulo. Alguns membros do Foro já começam a se dar mal. Cristina Kirchner, por exemplo, foi condenada pela Justiça, em um processo crime, à pena de reclusão de 06 anos por corrupção. Pedro Castillo, presidente do Peru, foi deposto e preso por tentativa de golpe.

Por enquanto, Lula canta de galo escudado na impunidade, no apoio explícito do STF e na inação covarde do Senado. As Forças Armadas têm-se comportado conforme o figurino constitucional, o que é, em ‘Condições Normais de Temperatura e Pressão’ (CNTP), louvável. Só que as CNTP desde muito tempo já foram violadas pelo STF/TSE.

O Senado, que tem a prerrogativa e o dever recolocar a Constituição acima de todos, nada faz por medo e covardia. O medo de que o STF passe a julgar os senadores de rabo preso (e são muitos!) apavora e paralisa o Senado. Como diz o ditado latino, “Corvus oculum corvi non eruit.” Ou, traduzindo: “Um corvo não arranca o olho de outro corvo.” Isto é causa da simbiose trágica entre um Senado letárgico e acovardado e um STF ousado, petulante, arrogante, injusto, assimétrico e inconstitucional. Eis aonde chegamos, por conta da corrupção que assola nossas instituições legislativas.

Como seria bom se nosso Congresso – principalmente o Senado, mas também a Câmara – tivesse a coragem (filha legítima da dignidade) de dar um chega prá-la no nosso Pedro Castillo, que aqui se chama Alexandre de Moraes, e o pusessem no lugar devido aos que se assumem acima dos mandamentos constitucionais!

Aqui, pelo que depreendo do noticiário nacional, nossos generais estão resignados – em nome da normalidade (inexistente) constitucional - a bater continência ao maior, mais sujo, descarado e mais deletério ladrão, jamais gestado no seio de uma democracia ocidental. Deve ser algo penoso, para os nossos generais. A obediência acrítica a uma Constituição já rasgada e pisoteada pelo STF/TSE, parece ser a regra que se observa. Obediência acrítica até para aceitar, inerte, o descaradamente tendencioso processo eleitoral, conduzido por Moraes e seu TSE.

Mas o tripudiar sobre a nossa Constituição vem de longe; vem de 2016. Apenas está sendo, hoje, exacerbado, dado a falta de reação legal das instituições que tinham o dever constitucional de obstar a violência contra a Constituição e o arcabouço legal do País.

Já no julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, a Constituição foi vilipendiada pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski, então presidente daquela Corte. Aquela foi a primeira grande agressão à nossa Carta Magna. E não adiantaram recursos ao STF. ‘In limine litis’ foram todos os recursos corporativamente rejeitados. Façamos um grande parêntesis para relembrar este fato vergonhoso e inseri-lo no atual contexto nacional.

Está escrito na Constituição Federal:

“ART. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
PARÁGRAFO ÚNICO. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, COM INABILITAÇÃO, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.”

Veja-se bem o que diz a Constituição: “perda do cargo COM INABILITAÇÃO, por oito anos, para o exercício de função pública...”

“Com”, no caso deste parágrafo único, é conjunção SUBORDINATIVA ADITIVA, como reconheceria qualquer bom aluno do ensino médio. Conjunção, porque relaciona o que vem antes dela com o vem depois. Subordinativa, porque subordina o que vem depois dela (“inabilitação, por oito anos, ...”) com o que vem antes (“perda do cargo”). Aditiva porque soma o que vem depois (“inabilitação por oito anos...”) com o que vem antes (“perda do cargo”). Como já disse, qualquer bom aluno do ensino médio conhece esta simples análise gramatical. Não foi o caso do ‘iluministro’ do STF, Ricardo Lewandowski, na presidência do Senado. Se soubesse fazer esta singela análise gramatical, não deveria ter permitido a aberração, perante a Constituição da República, do impeachment de Dilma SEM A INABILITAÇÃO imposta pelo parágrafo único do Art. 52, acima transcrito. De qualquer forma, Lewandowski, cometeu, no modesto entender deste engenheiro, crime de PREVARICAÇÃO para favorecer a “cumpañera” Dilma Rousseff. Lewandowski ocupava, na época, a presidência do Senado exatamente para impedir que agressões como esta à Constituição fossem perpetradas pelos senadores. Ele próprio cometeu a aberração – e a defendeu oralmente no Senado -, coisa que por dever de ofício deveria ter evitado. E o STF na época encampou esta aberração jurídica, numa demonstração de corporativismo inquebrantável, diante de fatos desabonadores como este.”)

Há um ditado gaúcho diz que: “Porteira por onde passa um boi, passa uma boiada.” Ou seja, concluída uma arbitrariedade, se não corrigida, outras arbitrariedades, não raro piores, a seguem.

Numa abominável quebra da jurisprudência que ele mesmo criara dois anos antes, em 07/11/2019 o STF fundou o “Estado Cleptocrático de Direito”, ao estabelecer que o cumprimento da pena só se dará após o trânsito em julgado. Transito em julgado em quatro (!) instâncias, uma jabuticaba que só dá no Brasil. Jabuticaba que torna o encarceramento de bandidos endinheirados impossível, já que a prescrição chega invariavelmente antes do trânsito em julgado. Este foi o golpe mais mortal na Lava-Jato. Foi por isso que a turma de corruptos listada acima (com a inclusão de Sérgio Cabral) foi toda solta e mantêm-se livre, rindo da Justiça e dos brasileiros honrados. Para esta turma o crime compensa, e muito! Lula, em especial, que o diga.

E a boiada continua a passar pela porteira. Alexandre de Moraes cresceu em ousadia para rasgar, diariamente, a Constituição da República, em absoluto desprezo pelo Congresso e pela Constituição da República. Pessoas sem foro privilegiado são presas autocraticamente por Moraes sem o devido processo legal, sem sentença condenatória; censuras são estabelecidas ao arrepio das liberdades constitucionais. Há um desprezo total pelo sistema acusatório. Alexandre de Moraes virou as costas ao Ministério Público, ao sistema acusatório e às demais instituições da República. E, ao contrário de Pedro Castillo, continua impune e atuante. Este é o retrato atual da ‘democracia’ brasileira.

Tem-se a impressão de que as nossas Forças Armadas, último bastião da decência nacional - já que o Senado virou cúmplice do STF, por medo de que, em represália, esta Corte resolva julgar os inúmeros senadores implicados em inquéritos e processos - decidiram manter-se inerte, em respeito a uma democracia já totalmente desfigurada e vilipendiada pelo Ditador Plenipotenciário de Brasília e seus pares do STF/TSE.

Democracia não é só um nome. Se assim o fosse, a DDR (Deutsche Demokratische Republik), a defunta República Democrática Alemã, teria sido realmente democrática. Foi o mais stalinista regime do Leste europeu.

Se fosse assim, a Coreia do Norte, cujo nome oficial é República Popular Democrática da Coreia (RPDC), seria um exemplo de democracia para o mundo. É a mais fechada, a mais desumana ditadura dinástica da era contemporânea.

Sim, o Brasil continua, NOMINALMENTE, uma democracia mas, na prática, vale apenas a vontade de um homem e de uma Corte que prende um inocente índio, sem o devido processo legal, e solta Sérgio Cabral, um criminoso confesso, condenado a 390 anos de prisão e que já devolveu R$ 380 milhões em dinheiro roubado.

A impressão que me fica é de que as nossas sempre respeitadas Forças Armadas parecem continuar acreditando que o nome DEMOCRACIA é bastante. Parece que não se lembram da sentença da rainha Catarina de Aragão, esposa desprezada de Henrique VIII, citada pelo dramaturgo William Shakespeare (1491-1547): “O hábito não faz o monge”.

Ou seja, não basta sermos, nominalmente, uma democracia. Isto a DDR o foi e a Coreia do Norte ainda é. Temos de sê-lo pelo respeito às regras da Constituição e às demais leis do País. Quando estas regras são sistematicamente, abusivamente quebradas, algo tem de ser feito para conter e reverter os abusos. Não faz sentido invocar a Constituição em defesa de quem a agride e rasga. Melhor será invocar a frase atribuída ao pirata inglês Francis Drake: “Ladrão que rouba de ladrão deve ter cem anos de perdão.” 

Por esta frase de Francis Drake a rainha Elisabeth I (1533-1603) o perdoou e ainda concedeu-lhe o título de cavaleiro da Ordem do Império Britânico em 1581, uma honraria por feitos significativos aos cidadãos do Reino Unido. Hoje ele é conhecido como Sir Francis Drake.

A atitude de Elisabeth I em relação a Francis Drake me compele a fazer uma paráfrase à citação de Mahatma Gandhi, que encima este texto, como um recado direto ao autocrata Alexandre de Moraes:

‘Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a decisões INJUSTAS e ILEGAIS, nenhuma tirania pode escravizá-lo.’

Esta paráfrase também serve aos órgãos de execução judiciais (Receita, PF, Polícias locais, etc.) para que entendam que ninguém, nenhuma ordem podem estar acima ou contra o que determinam a Constituição e as leis da República e, portanto, é justo, democrático e moralmente correto DESOBEDECER tais ordens. Aliás, é precisamente isto que deixa claro o ‘Princípio da Legalidade’ (inciso II, do Art. 5º da Constituição Federal) que reza:

“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Já que Alexandre de Moraes age como se desconhecesse este dispositivo, está mais do que na hora de os órgãos executores das decisões judiciais o lembrarem, com base nos ensinamentos de Elisabeth I, Gandhi e o Princípio da Legalidade inscrito na Constituição Federal.

Foto de José J. de Espíndola

José J. de Espíndola

Engenheiro Mecânico pela UFRGS. Mestre em Ciências em Engenharia pela PUC-Rio. Doutor (Ph.D.) pelo Institute of Sound and Vibration Research (ISVR) da Universidade de Southampton, Inglaterra. Doutor Honoris Causa da UFPR. Membro Emérito do Comitê de Dinâmica da ABCM. Detentor do Prêmio Engenharia Mecânica Brasileira da ABCM. Detentor da Medalha de Reconhecimento da UFSC por Ação Pioneira na Construção da Pós-graduação. Detentor da Medalha João David Ferreira Lima, concedida pela Câmara Municipal de Florianópolis. Criador da área de Vibrações e Acústica do Programa de Pós-Graduação em engenharia Mecânica. Idealizador e criador do LVA, Laboratório de Vibrações e Acústica da UFSC. Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado.

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