Entre mulas, idiotas e excelências

05/12/2016 às 12:02 Ler na área do assinante

Está sacramentado o divórcio entre a majoritária opinião pública e os atuais membros do Congresso Nacional. As manifestações que reuniram centenas de milhares de cidadãos brasileiros nas ruas de todo Brasil no último domingo (04) carimbaram dois recados com clareza meridiana: o forte apoio da sociedade ao juiz Sérgio Moro e à força-tarefa da Operação Lava-Jato; e o indisputável repúdio aos ardis e indecências de Suas Excelências no engenho do Poder Legislativo.

Não bastasse a manobra suja e dolosa de deputados federais durante madrugada de dor e luto vivenciada pelo país após uma tragédia aérea que comoveu o mundo e da frustrada tentativa de golpe orquestrada pelo presidente do Senado Federal — e agora réu no STF sob acusação de peculato —, Renan Calheiros (PMDB/AL), doze horas após a excrescência protagonizada na Câmara, o domingo foi marcado por inaceitáveis ataques desferidos pelo senador Roberto Requião (PMDB/PR) — relator do polêmico Projeto de Lei sobre o abuso de autoridade — contra os cidadãos manifestantes e contra juízes, procuradores e promotores de Justiça que integram a Operação Lava-Jato e seus afluentes no âmbito do Poder Judiciário. O nível manteve-se abaixo da linha da cintura, adensando ainda mais a já vigorosa chama de uma crise institucional e de uma conflagração nacional.

Referindo-se aos cidadãos que participaram das manifestações, escreveu o senador Requião em seu Twitter oficial: “Recomendo alfafa, muita alfafa. In natura ou como chá. É própria para muares e equinos, acalma e é indicada para passeatas nonsense”. Horas antes, tuitou com a irresponsabilidade de quem distorce a realidade com o objetivo de fermentar o caos: “Hoje, em Sampa, manifestação para libertar o ‘compa’ [sic] Cunha. Presentes os mentecaptos manipuláveis”. Não satisfeito em chamar cidadãos de mulas e idiotas, seguiu o senador com insultos ferozes ao Judiciário, aos “lavajatistas” e à imprensa, rendendo-lhes alcunhas como “paladinos fundamentalistas” e “fascistas”, além do tom ameaçador: “O bacana é que dessa crise toda, com histeria, ‘pitis’ [sic²] e insanidades, vai sair uma boa lei de abuso de autoridade”.

Faltou ao senador Roberto Requião a sensibilidade cidadã e a grandeza política que o momento histórico exige. A constitucional liberdade de expressão e de opinião e a imunidade parlamentar não podem ser usadas como escudo para tão grave vilipêndio à dignidade de membros doutro Poder e, ainda pior, dos cidadãos pagadores de impostos que foram às ruas pacificamente para defender seus ideais acerca da ética, da probidade e da moralidade na República e declarar-se contra a manutenção da impunidade de colarinho-branco que faz do Brasil um dos países mais corruptos do planeta.

Ademais, entre os deveres de um senador, está expresso no Art. 2º inciso III do Código de Ética e Decoro Parlamentar — Resolução do Senado Federal nº 20, de 17 de março de 1993 —, in verbis: “Exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular”. Procura-se, portanto, jurista ou qualquer autoridade neste país que tenha a desvergonha de assegurar a legitimidade de um parlamentar ao classificar publicamente cidadãos brasileiros como “muares”, “equinos” e “mentecaptos”.

Se a manifestação pública de um membro da alta câmara do Poder Legislativo, referindo-se aos cidadãos brasileiros e aos membros do Poder Judiciário como equinos e néscios, mulas e idiotas, não representa gravíssima quebra ao decoro parlamentar e nenhuma autoridade constituída for capaz de exigir rigorosa e premente punição ao supramencionado senador da República, firma-se a convicção de que estão dramaticamente rompidos parâmetros do Estado Democrático de Direito no Brasil.

O que vem a seguir é a barbárie. É lamentável. É a lama. 

HELDER CALDEIRA, Escritor.

www.heldercaldeira.com.br – helder@heldercaldeira.com.br

*Autor dos livros “Águas Turvas”“O Eco”“Pareidolia Política”, entre outras obras.

Helder Caldeira

Escritor, Colunista Político, Palestrante e Conferencista
*Autor dos livros “Águas Turvas” e “A 1ª Presidenta”, entre outras obras.

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