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Violência: um desafio para a razão

A ideologia, ainda que não imposta à força e à sangue, é uma ferramenta poderosa nas mãos dos inescrupulosos.

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Parte da sociedade brasileira parece padecer de uma catarse que a empurra para a violência gratuita e inexplicável. O que se tem visto com frequência assustadora, especialmente, entre os jovens, são crimes particularmente torpes e fúteis.

Se tornou quase um hino ou uma música “chiclete” a ideia de que os autores dessas ações criminosas são os pretos, os pobres, os da periferia. O olhar mais atento desmonta essa profecia segregacionista.

Não é mais raro ver jovens e adultos de classes sociais mais privilegiadas protagonizando crimes bárbaros.

Igualmente, não é raro constatar a autoria de crimes cometidos por crianças e adolescentes brancas e, algumas até, em cidadezinhas antes tidas pacatas.

As motivações são as mais variadas.

Se não se trata de psicopatas, são pessoas movidas por sentimentos pequenos e mesquinhos ou ignorância nata; atitudes colhidas de movimentos coletivos histéricos.

Jovens comuns, estudantes e trabalhadores, filhos de famílias não humildes e outras verdadeiramente humildes, na maioria das vezes, que quando se agrupam parecem ser tomados de torpor que explode em violência contra tudo e contra quem se estiver ao seu alcance, sem perceptível razão para o histrionismo.

A não ser por fatores patológicos ou dos portadores de uma degenerescência natural, o que move essa juventude arruaceira é, segundo dizem, expressão da revolta por viver uma vida medíocre pela falta de perspectiva de ascensão pessoal, social e profissional.

Para alguns sociólogos e antropólogos a impossibilidade de poder desfrutar dos bens e serviços oferecidos e demonstrados “a baciadas” pelos meios de comunicação, passou a ser a razão maior para a violência voltada a destruição de coisas e pessoas.

Os valores vão se perdendo. Os jovens vão se distanciando do que deveria ser para eles o mote para o crescimento como um ser social; o sonho e a vontade de conquistá-lo.

O que chama a atenção é que, alguns jovens que destroem patrimônios e eliminam vidas com tamanha facilidade, “vestem marcas genuínas” porque gastam integralmente o seu salário para a aquisição de um tênis, camiseta, relógios e acessórios para assinalar um “falso status” ao invés de aplicá-lo em sua formação. Não seria esta então, a razão? O que os move? Serão os maus exemplos “do alto”? A corrupção? Os desvios de condutas de pessoas de notável representatividade nos meios político e empresarial? Os desmandos dos governos daqui e do estrangeiro? As lutas reacionárias noutros lugares do planeta que hoje chegam com facilidade ao conhecimento (o que não significa entendimento) do mundo através da internet? A falsa sensação da impunidade? A vontade incontida de destacar-se num determinado grupo como equivocada conquista da supremacia?

Não há uma resposta precisa para estas perguntas.

Talvez, e somente talvez, pode-se arriscar que todas as questões postas são base para os comportamentos desviantes de parte dessa juventude moderna. Ora, se não se pode definir com segurança a origem de atitudes amorais e criminosas, deve-se cuidar da prevenção.

Pronto! Mais um grande problema a ser enfrentado.

Os governantes se mostram incapazes ou desinteressados a enfrentar a realidade.

Sempre se disse que o Brasil é (ou foi) um gigante adormecido; nunca ninguém, porém, esclareceu que esse gigante poderia ser hostil. Talvez não o seja mesmo, mas enraivecido em parte, já demonstra estar.

O país do futuro, de um futuro que nunca chega, ao menos para a maior parte dos brasileiros, é solo fértil para a criação de uma geração desencantada e propensa à vingança. Pelos motivos certos e pelos meios errados, os jovens exercem o seu direito constitucional de protestar, mas em algum momento transformam o justo pelo injusto e, muito da criminalidade pode ter neste ponto a sua origem. Os jovens ao invés de sonhadores tornam-se vítimas da desesperança e se afinam com as ideias reacionárias, passando a combater os símbolos da civilidade em flagrante confusão com o que acreditam ser a iconografia do “capitalismo selvagem”, responsável por todas as suas desventuradas vidas. Isso mesmo, o uso da palavra selvagem associada a um regime econômico com o precípuo objetivo de denegri-lo. E o apelo é tão forte que sobrevive à espécie quando acreditado como substantivo ou como adjetivo; tanto faz, ambos menoscabam o capitalismo.

Ora, o capitalismo como forma de regime disciplinar de influência econômica ou política do capital não é, em essência, selvagem. Mesmo os regimes socialistas baseiam seus dogmas no capitalismo a partir da perspectiva de que, ao povo deve ser entregue o controle dos meios de produção de capital – bens e serviços – sem interferência do Estado. Em verdade, entendem alguns cientistas políticos que, o socialismo é o passo que antecede o comunismo onde, a figura do Estado é suprimida juntamente com o desaparecimento das classes sociais; comunismo, pois, em sua etimologia indica a unidade, o coletivo sem diferenciações, a universalidade, o que é comum a todos.

Pergunte-se, então: qual país é hoje genuinamente comunista? Nenhum, eis a resposta. Nenhuma nação chegou a condição de comunismo absoluto. Qualquer espécie de comunidade sem um núcleo moderador estará fadada a anarquia ou à uma condição de vida subserviente. Observe Cuba; 55 anos de socialismo sob a mão forte de um poder moderador que atende pelo nome de Fidel Castro. E o que dizer então, da Coreia do Norte que, embora oficialmente se autodenomine República Democrática Popular da Coreia, desde a sua independência do Japão em 1945, se conduz pelo regime de uma monarquia absolutista de fato, uma ditadura hereditária; o culto dos “Kim” que conduz o seu povo sob rédeas curtas.

A ideologia, ainda que não imposta à força e à sangue, é uma ferramenta poderosa nas mãos dos inescrupulosos. Sua cuidadosa construção usa elementos combinados capazes de dirigir a vontade popular a partir da instrumentalização do verbo que engana e ilude num processo sociocognitivo. É o que se pode chamar de aparelhamento para “massa de manobra”.

No entender da filósofa Marilena Chauí, a classe média no sistema capitalista não tem uma função claramente definida. Interpondo-se entre os detentores dos meios de produção (empresários) e os vendedores da força de trabalho (trabalhadores), sua presença é marcada por valores puramente ideológicos e disfuncionais. A massa de pessoas que forma a classe média estaria à deriva de um sistema que, se de um lado alimenta a esperança de enriquecimento, de outro, assusta pela possibilidade de arrastá-la para o proletariado. Para a filósofa esse fenômeno é um desafio para os governantes. Políticas sociais de inclusão fariam movimentar essa massa para o campo da força de trabalho engajando-a na realidade da vida pois, no seu entender, ela jamais pertencerá à classe dominante.

Não posso concordar com Chauí. Seria o mesmo que dizer, o poder seria exclusividade da aristocracia. E explico a minha discordância.

Lembrando que a filósofa adere às políticas do Partido dos Trabalhadores, qual a razão que explica a política de cotas para as minorias. Se jamais pertencerão a classe detentora dos meios de produção, salvo engano meu, para ela seriam inócuas.

Nessa perspectiva, poder-se-ia deduzir uma expressão fenomênica capaz de ampliar o sentimento de frustração que encaminha para a violência os menos contidos e os inconformados.

É inconteste que as pessoas estão sempre a busca de melhorias; é uma das características do homem, mas não se pode atribuir a violência exclusivamente à frustrações e derrotismos, sejam de ordem pessoal ou coletiva.

Na gênese da violência se vai encontrar variados elementos para a sua formação. Se ser pobre é razão para o florescimento da violência, a humanidade estaria à beira da extinção.

Quando comparamos os Estados Unidos da América do Norte e o Brasil não encontramos indícios precisos e relevantes da relação objetiva entre a violência e a distribuição de renda. Enquanto os EUA exibem renda “per capta” nominal de US$ 48,147, o Brasil aparece no ranking com US$ 10,958; esses dados são insuficientes para estabelecer que a violência é fruto da pobreza; quando muito, é elemento na combinação com vários outros. Na América no Norte os índices de violência, embora proporcionalmente inferiores aos do Brasil, são notadamente expressivos.

Na edição online do jornal O POVO, de 04 de maio de 2013, um artigo trata do assunto com riqueza de dados, e dele destaco o texto abaixo:

“(...) A antropóloga Jânia Perla de Aquino interpreta os dados brasileiros sem se precipitar a uma correlação direta entre pobreza e crime, mas estabelece uma intrínseca ligação entre baixos investimentos em políticas sociais e estratégias equivocadas no setor de segurança pública. "As pessoas das periferias urbanas estão de fato mais vulneráveis porque vivem em áreas onde as políticas sociais para infância e juventude falham. Falta mais cobertura policial e os pais têm mais dificuldades de evitar o consumo e o comércio de drogas, além da exposição fácil ao uso ilegal de armas", destaca a pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC).”

FONTE:http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2013/05/04/noticiafortaleza,3050678/brasil-e-apontado-como-18-mais-violento-do-mundo.shtml

Como se vê, a antropóloga não estabelece objetivamente a existência inexorável da violência em razão da pobreza. Outros elementos são adicionados à sua equação para tentar explicar o fenômeno em testilha.

Da antropologia para a filosofia.

Se a primeira observa a história natural do homem, a segunda se ocupa da busca na observação particular que investiga causas e efeitos decorrentes das ações humanas; outra perspectiva para explorar as razões da violência.

Tomando a filosofia de Kant, busco argumentos que, minimamente nos obrigam a compulsar a nossa consciência e revisitar nossas noções de existência e relações com o universo, a sociedade, a religião, a política e, com o que é – para a filosofia – o conhecimento, o belo e a fealdade, o bem e o mal, o bom e o mau, a justificação existencialista.

Por Immanuel Kant quero me cingir aos postulados Desejo e Vontade. Ao meu ver cabem com perfeição no contexto deste artigo.

Kant produziu seus pensamentos em muitas áreas da filosofia, mas no período que inicia a filosofia da escola moderna, dedicou-se ao aprofundamento dos estudos de três áreas específicas: o conhecimento, o belo e o comportamento humano. Entre suas obras, três se destacam pela importância para a Filosofia Moderna: “Crítica da Razão Pura” – que explora os limites da razão – até onde podemos conhecer o mundo e por que é importante esse conhecimento para o homem -  a Epistemologia; “A Crítica do Juízo” – o que é a beleza para o pensamento filosófico; “A Crítica da Razão Prática” – se ocupa do pensamento moral em que Kant vasculha as formas do ‘como devemos (o homem) agir’.

A moral, segundo Kant.

Kant, entendeu que os talentos naturais deveriam ser desenvolvidos e aplicados em sua plenitude – é a possibilidade de pensar e decidir sobre a vida, através da razão e não só do desejo e da vontade. Para os pensamentos Kantianos a vontade deve ser contida em favor da razão e da ética.

A ideia de vontade de Kant é o uso da razão para viver melhor; é o pensamento à serviço da vida, uma forma de transcender o instinto puro, pois que, o instinto só tem relevância para o animal irracional que para ter felicidade basta viver sem metas nem objetivos, não para o homem. Ainda que o instinto produza no homem certos desejos, para Kant, a vontade é determinante para o homem deliberar a partir da razão satisfazê-los ou não. Nesta ideia reside a moral, pois, enquanto o desejo nasce do ímpeto natural, a razão funciona como instrumento de que se vale o homem para determinar-se a não satisfazê-lo e, neste movimento racional é considerada a moral.

Kant, portanto, vê na moral o dever de agir em estrita conformidade com o dever-ser, independentemente das consequências que poderão advir. Noutras palavras, a moral se encontra no campo da ação de agir de determinada maneira, porque assim manda que se deva agir, e não, por consequência de agir desta forma, ainda que o desejo fosse outro mas que sucumbiu à vontade. A moral, nesta perspectiva nos fala da pureza das atitudes humanas que são adotadas unicamente baseadas no dever de assim agir. Para exemplificar e clarear o pensamento de Kant: quem age de determinada maneira obrigado pelo temor de sofrer consequências negativas do seu agir, não se conduziu por valores morais; ao contrário, quem age de determinada maneira em razão de entender e acreditar que assim é o certo a fazer, age moralmente. É o mesmo que dizer, a moral só tem sustento na razão do dever-ser. Fora deste contexto, ainda que se aja de maneira correta, mas pelos motivos errados, não há moral neste agir.

Neste ponto retorno à discussão do tema.

A sociedade do século XXI, estaria em estado de involução ou num processo lento e amoral de evolução?

O homem tem por característica querer cada vez mais; nada o contenta, e isso é bom de certa maneira, pois, empurra-o a buscar o novo. De outro lado, a ânsia de alcançar o que está no devir o faz agir pelas razões sem moral, no mais das vezes (na forma do pensamento de Kant).

Lutar por melhores condições são ambições naturais. Toda sociedade espera ter saúde, trabalho, educação, moradia, dignidade e felicidade, entretanto, no agir em absoluta dicotomia com a moral, esvazia de valores apreciáveis qualquer reivindicação.

O muro transposto sem permissão, se não em socorro ou flagrante combate legal ou por ordem de órgão superior competente da qual não se pode declinar, é marginal à lei. E assim deve ser para não nos entrarmos na anarquia e no berço da barbárie. Eis um eufemismo para o muro.

As manifestações populares no início do segundo semestre de 2013 que ocorreram, a princípio, em São Paulo e Rio de Janeiro, alastrando-se mais tarde para outras cidades, não foram até hoje suficiente ou competentemente explicadas; nem pelos estudiosos, nem pelos políticos, que, aliás, se disseram surpresos com os acontecimentos. Acredito mesmo é que eles ficaram receosos, foram tomados pelo medo. E deveriam ficar mesmo.

Não é da cultura mais contemporânea do brasileiro ir em massa para as ruas com as suas reivindicações; esse movimento repentino tomou todos de surpresa.

Movimentos populares como os que se viram, são a expressão legítima de uma sociedade verdadeiramente democrática e devem ser nestes termos respeitados e interpretados pelo Governo, responsável maior pelas políticas que entregam a sociedade melhores condições de vida.

Lamentavelmente, os movimentos foram afetados por grupos radicais que, com o uso da violência indiscriminada e ilógica, desnaturaram os movimentos cívicos. Foi a tentativa da instalação da anarquia? A quem interessa essa deformação?

Como se percebe, há uma imensidão de elementos que fomentam a energia violenta, ora branda, ora aguerrida, ora altamente lesiva, ora como um costume aceitável.

Tomemos como exemplos pequenos delitos.

Toda vez que alguém compra um produto pirata, está cometendo um delito. Muito embora aceitável pela maioria esmagadora das pessoas, e igualmente cometido por elas, inclusive por aquelas que não admitem tê-lo feito, tratam-se de condutas penalmente reprováveis e incompatíveis com a cidadania.

Quando usamos do “jeitinho brasileiro”, estamos causando prejuízo a alguém; quando nos valemos de influências de terceiros para conseguir nossos intentos, estamos prejudicando alguém; quando nos omitimos diante de situações contravencionais, estamos prejudicando alguém; quando jogamos detritos ao chão, estamos prejudicando alguém. Esses são alguns exemplos do que fazemos de errado, ainda que conscientes da injúria causada, mas que aceitamos por costume; é uma cultura – uma cultura que precisa ser mudada.

Todos querem o direito à igualdade, mas querem ser tratados diferentemente. O homem é um ser mais hipócrita. E mais hipócrita se torna quando não reconhece e admite a sua hipocrisia. Alguém duvida? Seria muito hipócrita duvidar.

Essas constatações, facilitam o crescimento da revolta naqueles que, nem sequer conseguem usufruir da influência de alguém, acentuando em suas mentes o sentimento de inferioridade e o poder destruidor da desigualdade que atua fortemente em suas vidas; é um gatilho poderoso para o crime mais gravoso.

Como disse a antropóloga Jânia Perla de Aquino, a ausência do Estado e a inibida produção de políticas sociais incrementam as ideologias reacionárias e as posturas de enfrentamento hostil a partir das minorias contra os da classe social do andar de cima.

O crime deve ser combatido na sua origem. Esse enfrentamento deve ter alvo marcado na educação, na criação de trabalho, no estímulo para a convivência familiar, nos esportes, no respeito à dignidade da pessoa humana, no tratamento igualitário independente da classe social, raça, credo ou gênero.

O homem jamais será um ser perfeito, mas nutro a esperança de que no futuro tenhamos a oportunidade de viver mais harmoniosamente como fruto da erradicação, ou pelo menos, da mitigação desta xenofobia social-classista.

JM Almeida

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JM Almeida

João Maurino de Almeida Filho. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Jurídicas. 

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