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Otários, lacradores e inocentes úteis

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“Político é cerol fininho”. (“O Candidato Caô Caô”- Bezerra da Silva).

Em 1986 o cantor Bezerra da Silva lançou o álbum “Alô Malandragem, Maloca o Fragrante!” Se fosse lançado hoje, nos tempos vergonhosos do politicamente correto, seria um escândalo!

“Bezerra cantava as mazelas sociais pela ótica dos excluídos”. Sim, esta foi sua grande sacada: o cotidiano das favelas cariocas, o dia-a-dia vivido nos morros, as relações de poder entre traficantes, policiais, malandros e a população.

As letras de suas músicas ressaltam tudo isso com uma pitada de humor ácido: “Malandragem dá um tempo”, “Defunto Grampeado”, “Quem Usa Antena é Televisão”, “Maloca o Flagrante”, “Vovô cantou Pra Subir”, “A rasteira do Presidente”, “Meu bom Juiz”, “Língua de Tamanduá”, “Na boca do Mato”, “Sua Cabeça Não Passa na Porta”, “Os Direitos do Otário”...

Abusos, sabotagens, casos engraçados, vadiagem, malandragem, problemas sociais, exploração e opressão de trabalhadores e tolos passeiam pelo disco. Na música “Os Direitos do Otário”, Bezerra cantou:

- “E quem fala alto é malandro/ Que conhece a barra pesada
Otário só tem dois direitos/ Tomar tapa e não dizer nada”.

Com direito apenas a receber tapa, o otário do morro, da favela e da periferia das grandes cidades transformou-se, acessa a internet e lacra. É o mesmo otário, mas agora possui celular e diz que seu “Face” está na rede. Os novos otários do século XXI são os lacradores.

A origem dessa expressão, segundo Carlos Mendonça, professor e pesquisador do Programa de Pós-graduação de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais, em entrevista ao o Globo, remonta ao ambiente LGBT:

-“Era usado em lugares como casas de festas para expressar algo absolutamente diferente e arrebatador. Podia referir-se a uma performance muito bem executada no palco ou a produções de moda e maquiagem impactantes”.

O termo foi arrebatado pelas esquerdas militantes que viram nele uma espécie de palavra mágica, capaz de silenciar qualquer debatedor, desqualificar. Mas, sem perceber, aquele que “lacra”, sempre em tom pejorativo, investe contra as próprias ideias que diz defender: “ lacrar passou a ser usado para fazer críticas irônicas a quem promove um discurso com o qual não concorda. Ou ainda a atitudes que não seriam genuínas e estariam associadas puramente ao ganho de curtidas e seguidores”.

O lacrador critica quem tenta fazer alguma coisa, despreza anseios e opiniões dos outros, arquiteta historias, se faz de vítima, às vezes é muito macho, ofensivo, “manda bem”, autoconfiante, popular, incentiva carradas de idiotices, “cheio de si”, corajoso, mas na vida real é apenas um bunda-mole, um sem-noção, um Zé-Mané de conhecimento raso que nada de útil produz para melhorar a sociedade.

Seu método consiste em usar apenas palavras-chaves para rebater aqueles que ousam confronta-lo seriamente, sem perder a calma, desarmando seus argumentos capciosos. Acuado acusa o oponente de racista, xenófobo, sexista, homofóbico, fascista e foge.

Sem entender muito bem o que está fazendo, o “lacrador” arrebanha hordas de “inocentes úteis” que repetem suas bobagens.

E aí entra Bezerra da Silva ensinando:

- “Aonde pintar um otário/ Tem cagüetagem e malícia
Otário é a imagem do cão/ E também cachorro de polícia”.

Disse Mário Sérgio Cortella que “inocente útil é quem está a serviço de uma causa que não conhece”. Mas também existe a fingida inocência, que gera utilidade. Aquele que se coloca a serviço de uma causa apenas por conta da retribuição financeira que terá. E cita o Marquês de Maricá:

- “Os tolos são muitas vezes promovidos a grandes empregos em utilidade e proveito dos velhacos, que melhor o sabem desfrutar”.

Os inocentes úteis seguem a vontade dos outros, não têm opinião nem aspiração própria, seguem os modismos, as receitas miraculosas de gastronomia, aos piercings, as tatuagens. Seus gostos são os gostos dos outros. Suas conclusões raramente são racionais.

Disse Roberto Tranjan, em seu site, no texto “Abaixo a inocência útil”:

- “O inocente útil acredita em tudo o que a mídia diz, mesmo que depois, por conveniência, a mesma fonte se desdiga, fazendo com que seu alvo mude de posição ao sabor dos ventos, como as birutas dos aeródromos. Por isso, é fácil massa de manobra. Ouve o galo cantar, mal sabe aonde. Toma emprestados pensamentos e sentimentos e os reproduz sem nenhum critério pela internet, esquecendo-se de, antes, checar a sua veracidade ou mesmo de dar crédito ao verdadeiro autor”.

E lá vem outra vez Bezerra da Silva:

- “Todo otário cagüeta/ É verdade, não é esculacho
É que bolso de otário é nas costas/ Virado de boca pra baixo”.

Eis um exemplo fresquinho da utilização de “inocentes úteis”, “lacradores” ou “otarios” que foram manipulados para turbinar e eleger um “descondenado de justiça” a presidente do Brasil, com um discurso de que governaria para os pobres, que os pobres comeriam picanha e beberiam cerveja, que ele era um “pobrezito” como o povo carente do Brasil. Que iria economizar, criar empregos, zelar pelo dinheiro público. Eis o seu zelo:

 A informação é da Revista Veja na coluna Radar, 26 de maio de 2023:

- Viagem de Lula a Portugal e Espanha custou R$ 1,1 milhão só em diárias
Passagem do presidente pelos dois países europeus, em abril, durou seis dias. Só com diárias, o governo brasileiro gastou mais de 1,1 milhão de reais para a viagem de seis dias de Lula a Portugal e Espanha, em abril. O Itamaraty informou que o gasto foi de 229.820,79 dólares, em resposta a um pedido via Lei de Acesso à Informação enviado pelo Radar.

E lá vem o Bezerra:

- “Otário é um bicho safado/ É mesmo uma praga ruim
Que nasce no mundo inteiro/ E destrói tudo igual a cupim
Olha se eu fosse um cavalo/ Não ia sujar o meu nome
Se otário fosse capim/ Aí eu morria de fome”.

Os “otários”, os “lacradores”, os “inocente úteis” são produtos de nossa educação, das informações fragmentadas que recebemos, da falta de aprofundamento nos parcos conhecimentos fornecidos pelas escolas e por professores, em sua grande maioria, contaminados por uma ideologia de esquerda que citam Karl Marx, acreditam e defendem o socialismo e usam camisas com a cara estampada do assassino Che Guevara.

Tudo isso é apenas uma parte do fenômeno que explica a eleição de um sujeito semi-analfabeto, condenado a 12 anos de cadeia, “descondenado” para participar da eleição e hoje envergonha todos os brasileiros honestos ao se apresentar perante o mundo como o “presidente de todos os brasileiros”.

Os “otários”, os “lacradores”, os “inocente úteis”, os que balançaram as grades e gritaram dentro das cadeias celebrando a eleição de um condenado de justiça para governar a nação, e ainda os que fizeram o L, os artistas, economistas, jornalistas, juízes, promotores... E todos aqueles que reclamam que foram enganados, deveriam ouvi Bezerra da Silva cantar:

- “E quem fala alto é malandro/ Que conhece a barra pesada
Otário só tem dois direitos/ Tomar tapa e não dizer nada”.

Em tempo: a metáfora de Bezerra da Silva que abre o texto “político é cerol fininho”, significa que devemos desconfiar, tomar cuidado ao tratar com políticos. Quem já soltou pipa ou papagaio sabe que quanto mais fino o cerol, mais corta a linha do outro empinador de papagaio. Assim como o cerol fininho corta linha suavemente, também podemos ser ludibriados, logrados, “cortados”, pelo discurso dócil, pacato dos políticos que apenas querem votos para tomar o poder e enriquecer.

Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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