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A ponte do tráfico: O entrevero entre o prefeito “nervosinho” do Rio e o poderoso traficante

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Todo carioca acha que conhece muito bem a sua cidade. Na área da segurança pública então, são todos doutores. Afinal, são sobreviventes do cotidiano de uma das cidades mais violentas do planeta.

O carioca-raiz já driblou bala perdida e já enganou os bandidos, correndo junto com eles, para não ser vítima de arrastão.

Depois que o Ministro da Justiça visitou uma das comunidades mais perigosas do Rio, num território absolutamente controlado pelo tráfico de drogas e praticamente sem seguranças, todo brasileiro também acha que sabe como funciona o Rio de Janeiro.

A própria polícia tem dificuldade para entrar naquela comunidade, necessitando de apoio de helicópteros e forças táticas, mas o ilustre Ministro da Justiça tem passe livre.

Pura ilusão. Não que o carioca esteja enganado – ele realmente conhece a sua cidade – e o brasileiro que escutou sobre a visita desse ministro também não fez uma ideia equivocada sobre a criminalidade da Cidade Maravilhosa, só que as sombrias relações de poder entre o Estado e o crime organizado são muito mais profundas e obscuras e, em alguns momentos, com determinados agentes políticos, se nota até uma certa subserviência estatal.

Um outro episódio, que a grande mídia até denunciou, mas não soube colocar o caso com a tônica que merece, é capaz de retratar de forma muito mais transparente a realidade carioca. Estamos falando da construção da ponte que foi erguida no Complexo de Israel, fazendo com que moradores não tenham que trafegar até a Avenida Brasil para atravessar um rio que corta duas comunidades.

Antes do Crivella, Eduardo Paes tinha orçado em três milhões a construção dessa ponte. O traficante local, Álvaro Malaquias Santa Rosa, vulgo Peixão, que domina as duas comunidades cortadas por esse rio (dentre outras), visando melhorar o trânsito e a comunicação entre as bocas por ele dominadas, resolveu construir a ponte utilizando recursos próprios. Gastou pouco mais de trezentos mil reais e a ponte está lá – firme e forte.                                    

Peixão contratou uma empresa e um engenheiro. Foi construída uma ponte simples, mas robusta - nada que justifique essa disparidade de preços. A obra foi realizada por um décimo do valor orçado pela Prefeitura – um absurdo.

Mas a estória não para por aí. Se a ponte atende ao tráfico, o fato é que também atende aos moradores das comunidades vizinhas e agora, depois que voltou, o prefeito nervosinho disse que iria determinar a sua demolição, porque a obra foi realizada de forma ilegal. Peixão então, disse que iria “mandar bala” se tentassem derrubar a ponte. Pergunta se demoliram...

Conhecido pelos amigos de infância como Alvinho, Peixão ainda domina o tráfico em comunidades de Caxias e adjacências, além das cinco do Complexo de Israel. A quadrilha de Peixão é conhecida como “Tropa do Arão”. Na Bíblia, Arão é irmão de Moisés. Peixão é responsável por dezenas ou centenas de crimes cruéis e sanguinários. Expansionista, em 2019 sequestrou e matou oito rivais pelo domínio da comunidade denominada Cinco Bocas. Os corpos foram triturados e espalhados numa área de mangue de Parada de Lucas, para serem comidos pelos porcos.

O fato é que lá está ela ilustrando as fotos de quem tem permissão de trafegar por aquela área, como o nosso querido Ministro da Justiça. Lá está a ponte do Complexo de Israel - cumprindo o seu papel com excelência – atendendo aos moradores e aos seus financiadores – e pelo visto assim se perpetuará até o fim desse governo. O prefeito do Rio só é nervosinho até a segunda página.

Foto de Carlos Fernando Maggiolo

Carlos Fernando Maggiolo

Advogado criminalista e professor de Direito Penal. Crítico político e de segurança pública. Presidente da Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro – AMO-RJ. 

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