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Decisão judicial de que bandido que atirou na cabeça de policial cometeu “delito de pequeno potencial” é esdrúxula e temerária

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É polícia? Pode atirar na cabeça!

Essa foi a resposta que a juíza Paula Cardoso Esteves, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Grande (RS), deu à sociedade brasileira, ao decretar que Anderson Fernandes Lemos não cometeu tentativa de homicídio ao balear a Policial Lanine Almeida Larratéia na cabeça, depois de efetuar diversos disparos contra policiais civis que estavam no exercício legal de suas atribuições em cumprimento de mandado de prisão preventiva contra ele.

Eis o entendimento que prevaleceu:

“Os elementos carreados demonstram que o réu, para fins de se opor à execução de ato legal, mediante disparos de arma de fogo, tentou impedir que policiais civis adentrassem no imóvel. É evidente, portanto, que o agente não efetuou os disparos com o dolo de matar os policiais, mas tão somente de impedir a execução do cumprimento da ordem legal”. Essa foi a tese da defensoria pública e aceita por Paula Esteves.

Dessa forma, Anderson deixou de responder por tentativa de homicídio (seis vezes), que o levaria para o Tribunal do Júri, passando a responder pelo delito de resistência, cuja pena é de seis meses. O caso foi encaminhado para o Juizado Especial Criminal, responsável por processar os delitos de pequeno potencial ofensivo.

Anderson foi imediatamente solto e só faltou a juíza lhe pedir desculpas pelo abuso dos policiais em quererem cumprir um mandado de prisão enquanto o acusado está em sua residência, em pleno dia.

O leitor, nesse exato momento, está ressabiado.

No Brasil de hoje, o que mais vemos são policiais federais cumprindo ordens manifestamente ilegais e prendendo pais de família em suas residências, à luz do dia. Uma dessas pessoas eventualmente pode se rebelar contra uma injustiça que esteja amargando e entender por resistir à prisão, à bala – vide Roberto Jefferson.

Só que não!

Anderson é um antigo conhecido da polícia. Ele representa o clássico estereótipo do soldado do crime, apresentando antecedentes criminais como tráfico de drogas, furtos diversos e receptação.

Na verdade, nem precisávamos de tantas informações complementares para se concluir que estamos falando de um profissional do crime, pois a arma utilizada pelo meliante foi uma pistola .40, mais letal e tradicionalmente utilizada pelo crime organizado. A policial Lanine sobreviveu por um milagre.

Então, prezado leitor, Anderson é um bandido contumaz, como outros milhares espalhados pelas cinco regiões do país.

Será que deu pra entender a dimensão dessa decisão judicial?

E a mensagem subliminar que acompanha essa manifestação do Judiciário Brasileiro?

É como se o bandido, a partir de agora, tivesse carta branca para atirar na cabeça de um policial que ouse lhe prender, porque a intenção dele não é de matar um policial, mas defender seu “direito à impunidade”.

Que país é esse?

Num país em que militares batem continência para bandido, não se pode esperar muito em termos de valores éticos e morais de uma nação, não é mesmo? Essa é a verdadeira crise que estamos vivendo – uma crise de valores. Na realidade, uma inversão de valores, imposta por uma ideologia nefasta que prega a “bandidolatria” e aplaude a impunidade. A vida dos nossos policiais não importa. As vidas ceifadas no combate à criminalidade são resumidas a estatísticas. Humanos são os bandidos, vítimas da sociedade.

Que essa decisão judicial sirva como um alerta para a sociedade brasileira. É muito triste ver o nosso país chegar ao ponto que chegou – e a tendência é piorar.  Onde não há Justiça, não há democracia.

Foto de Carlos Fernando Maggiolo

Carlos Fernando Maggiolo

Advogado criminalista e professor de Direito Penal. Crítico político e de segurança pública. Presidente da Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro – AMO-RJ. 

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