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O samba da mandioca doida

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Parece ser consensual. Políticos, jornalistas e demais formadores de opinião acreditam que a presidenta foi encapsulada por um grupo de assessores incompetentes que não conseguem (ou não desejam) orientá-la nos pronunciamentos públicos. Isso pode explicar o envolvimento dela numa série de gafes, discursos sem sentido e outras inconveniências. Dizem que os tais assessores morrem de medo de contrariá-la e enfrentar o seu terrível gênio, temendo diante de gritos e palavras nada agradáveis de serem ouvidas de um chefe de estado. À boca pequena, fala-se até que o ministro do exército já foi vítima do seu gênio irascível. Concluindo, a mulher é uma fera (ferida?). Há ainda aqueles que insinuam que se trata de sequelas de medicação complementar de seu famoso regime, com resultados visíveis de emagrecimento, ou ainda de remédios para dormir o sono dos justos e acalmar os nervos.

Há quem acredite em outras explicações (teorias da conspiração?): um grupo radical do seu partido estaria exercendo o poder de fato promovendo um estratégico isolamento da presidenta, para que ela seja tão somente uma Rainha da Inglaterra ou a Maria Antonieta Sem Noção mandando que os sem-pão comam brioches. 

Não está fácil pra ninguém, nem pra ela. Deve-se reconhecer que nunca antes nesse país um mandatário federal recebeu tanta pressão (interna e externa) de uma só vez, em tão pouco tempo. Começou tudo isso com a campanha eleitoral vitoriosa, porém lamentavelmente fundamentada em mentiras que foram desnudadas logo após a sua posse. Deu no que deu.  Dilma Roussef iniciou seu segundo mandato com medidas amargas para enfrentar uma baita crise econômica e política sem precedentes, penalizando repentinamente a população toda, sem distinção de classe. Tomou providências que dizia que não implantaria “nem que a vaca tossisse”, por orientação de seu partido e de seu marqueteiro.

Acrescente-se a trágica herança derivada dos desatinos na esfera econômica de seu primeiro governo, acrescida do maior escândalo de corrupção de nossa história, escancarado no processo chamado Operação Lava Jato que envolve a Petrobras, estatal que foi o orgulho do país desde a sua criação por Getúlio Vargas. Lembro-me claramente do presidente que a antecedeu, tal como um pretensioso visionário, afirmando que a crise econômica internacional de 2008 não chegaria ao Brasil por se tratar de uma marolinha. Foi, de fato, uma atitude irresponsável com a pura e simples finalidade de blindar seu governo e a imagem do herói que levou a nova classe média deste país ao paraíso. Só que a marola virou tsunami e o povão está se... afogando.

Hoje o desastre é assustador e adentrou nossas portas: comércio, indústria e serviços, empresas, pequenas, médias e até as grandes fechando, com um brutal contingente de desempregados, uma inflação que repercute diretamente na renda da população que se abala com endividamento e seus efeitos cascata.

Neste quadro de desagregação, quando a crise transborda da economia para a política, a presidenta apresenta-se enfraquecida, acuada e aparentemente desnorteada. Basta ver na imprensa as suas falas estapafúrdias, declarando num evento público que a mandioca é uma das maravilhas do Brasil e a salvação da lavoura (da crise?). Não se sabe o que ela quis dizer com isso, se era para a dita cuja entrar ou sair da crise econômica, evidentemente, no bom sentido. E não ficou só nisso.  No mesmo pronunciamento, ao admirar uma bola feita artesanalmente com folhas de bananeira, referiu-se à criatividade do homo sapiens e da mulher (?) sapiens. Pode?

Longe do país, lá pelas bandas dos EUA em visita ao Obama, despejou outras duas pérolas de grande repercussão (perplexidade) aqui no país. A primeira foi dizer que não aceitava e não respeitava a chamada delação premiada, forma utilizada pelos envolvidos no processo Lava Jato para atenuar suas penas. No bojo dos depoimentos, os investigados em pauta atingem o governo do seu partido e pessoas muito próximas da presidenta. Parece, no entanto que ela se esqueceu que este expediente faz parte do arcabouço jurídico constitucional brasileiro e que o chefe do estado tem a obrigação de obedecer e de defender sob pena de lhe ser imputado o crime de responsabilidade, o que, diga-se de passagem, dá impeachment. 

Além disso, num momento de delírio, Dilma apelou para seu passado de paixão e glória revolucionárias para comparar a delação premiada, que está salvando a pele dos empresários e executivos vivaldinos, com a situação tenebrosa e altamente injusta dos presos políticos que delatavam companheiros sob tortura nos porões da ditadura.  Nada a ver.  A delação premiada é o recurso que garante a plena defesa e os direitos dos suspeitos ou acusados de algum crime, típicos de um regime democrático bem sucedido. Ditadura é terror de estado e ponto final!  

A segunda pérola foi mencionar nesse contexto a figura de Silvério dos Reis, que na história brasileira teria sido o responsável pela delação (traição) e desgraça do herói Tiradentes. Não foi bem assim, mas parece que a matéria não foi o forte da presidenta nos seus tempos de escola.

Pobre Dilma.  A redoma de cristal que seus assessores prediletos ergueram para protegê-la, ou enganá-la, está levando a presidenta aos erros de avaliação e afastamento da realidade e de seus eleitores. Sua popularidade, hoje, reduziu-se a apenas um dígito nas pesquisas de opinião e duvido que ela possa caminhar ou pedalar como gosta nas ruas sem levar um ovo podre na cabeça. 

Em tempo: creio que ela, quando jovem e presa política, aprendeu História do Brasil com o famoso samba do Stanislaw Ponte Preta, o impagável e genial crítico das mazelas deste país, Sergio Porto.  

Valmir Batista Corrêa  

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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