Na colônia penal ou o horror brasileiro: A ficção de Kafka se tornou realidade no Brasil

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“As almas mais escuras não são aquelas que escolhem existir no inferno do abismo, mais aquelas que escolhem se libertar do abismo e circular silenciosamente entre nós”. (do filme – Halloween).

- “É um aparelho singular” - disse o oficial ao explorador, percorrendo com um olhar até certo ponto de admiração o aparelho que ele, no entanto conhecia bem.

Assim começa a obra de ficção “Na Colônia Penal”, um texto extraordinário do escritor Franz Kafka. O lugar onde se encontram os presos é vago, e os prisioneiros não sabem a gravidade do crime que cometeram.

Quem comanda o destino dos encarcerados é um “Oficial” que usa e abusa de seus poderes totalitários. É justo, pois emprega a lei, segundo ele, a sua lei. Usa a eficácia da burocracia para punir, ainda que os encarcerados desconheçam o tipo de lei empregada, tudo se torna verídico se o “Oficial” assim determinar.

No Brasil, em 8 de janeiro de 2023, perto de duas mil pessoas revoltadas contra urnas eletrônicas, contra o TSE e contra o resultado da eleição de um semi-analfabeto a Presidente do país, que estava condenado a 12 anos de cadeia por corrupção e foi descondenado pelo STF para participar de eleições, numa flagrante afronta às leis e a moral da nação, invadiram o Palácio do Planalto e em protesto promoveram um quebra-quebra nos prédios públicos.

Todos foram presos. Os que participaram e os que não participaram. Eles foram levados pelas forças policiais dos quais 1,4 mil ficaram aprisionados por ordem do “Oficial” ministro Alexandre de Moraes, do STF, relator das investigações sobre as invasões.

Era o inicio da “Colônia Penal do Brasil”. Só que não era ficção. Era e ainda é a realidade neste final de ano de 2023.

Os órgãos de Imprensa, aliados dos partidos de esquerda, gritaram em grandes manchetes:

- É golpe! Todos são golpistas! São Bolsonaristas! Querem destruir a democracia!

Sim, comunas, socialistas, psolistas urraram contra as pessoas que pagam impostos e que estavam revoltadas. Usando a desfaçatez que lhes é característica, clamaram afirmando que a democracia seria destruída, como se existisse democracia nos regimes de esquerda que estes seres abjetos lutam para implantar no Brasil.

Por sua vez, o “Ogro” eleito convocou todos os governadores e juntos com imprensa cobrindo e narrando cada detalhe da pantomima, foram inspecionar os prédios públicos danificados e criar narrativas fantásticas de “como o golpe foi orquestrado”.

Pomposamente o “Oficial” Moraes e seus esbirros de estimação entraram em cena: 

- “Os Ministros do STF garantem que todos serão investigados pela Polícia Federal e denunciados pela Procuradoria Geral da República pelos gravíssimos crimes contra a Democracia ocorridos em 8/1”.

O comunista e dublê de ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou: 

- "O dia 8 de janeiro ainda terá toda a sua terrível história contada. Os covardes que estão nas sombras serão revelados e julgados”

E ainda acrescentou que a Carta Magna "venceu os vândalos, golpistas e terroristas".

Pela narrativa oficial os que vandalizaram os prédios públicos são terríveis terroristas armados de bombas, canhões, tanques, fuzis, acobertados por um exercito de guerrilheiros que esperava nas sombras para tomar o poder e foram todos derrotados numa luta sangrenta...  por ninguém!

Sim, ninguém derrotou os invasores terroristas! Não houve e nem havia guardas, nem resistência, nem terroristas. Havia vândalos. Mas Dino, o “Oficial” Moraes, Lula, os Jornalistas de esquerda, derrotaram os pseudos-terroristas que tinham, em sua maioria absoluta, nas mãos garrafinhas de água, celulares, e Bíblias.

Beleguins comunistas fantasiados de “Especialistas” agrediam a inteligência da população afirmando em entrevistas que o ataque a Brasília foi o maior atentado à democracia desde a Constituição de 1988!

Eram soldados sanguinários? Homens fortíssimos treinados para matar? Tanques? Lança-chamas? Metralhadoras? Estavam todos prontos e preparados para tomar o poder? 

Parece que sim. Parece que os baderneiros mataram, queimaram e degolaram centenas de pessoas.

Parece que não. Nada disso existiu. 

Em sua grande maioria homens de idade avançada, mulheres com bíblias, trabalhadores de meia-idade, jovens, seres humanos revoltados, irados, manifestaram sua indignação contra os três poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário) e descontaram sua raiva quebrando os prédios.

Nada disso importa. 

O que importa é a palavra do “Oficial” Moraes. E ele determinou que todos fossem recolhidos à “Colônia Penal Brasileira”.

No livro de Franz Kafka, um visitante importante, estrangeiro talvez, visita a “Colônia Penal”, não sabemos sua nacionalidade, mas é uma figura respeitável, pois é imediatamente convidado pelas autoridades legais para observar um sofisticado aparelho de tortura, também utilizado nas penas de morte.

-“O explorador parecia ter aceitado só por polidez o convite do comandante, que o havia exortado a assistir à execução de um soldado por desobediência e insulto ao superior... O condenado, uma pessoa de ar estúpido, boca larga, cabelo e rosto em desalinho, e um soldado que segurava a pesada corrente de onde partiam as correntes menores, com as quais o condenado estava agrilhoado pelos pulsos e cotovelos bem como pelo pescoço e que também se uniam umas às outras por cadeias de ligação”. 

O explorador pergunta:

- Ele conhece a sentença?
- Não, disse o oficial, e logo quis continuar suas explicações.

Mas o explorador o interrompeu: 

- Ele não conhece a própria sentença?

O “Oficial” respondeu:

- “Seria inútil anunciá-la. Ele vai experimentar na própria carne”. (Kafka, 1986, p. 39 e 40).

E continuou:

- “Nossa sentença não é severa. O comando que o condenando infringiu é escrito pelo rastelo em seu corpo. Este condenado, por exemplo ... terá escrito em seu corpo: “Honra os teus superiores”! 

Segundo o “Oficial” o condenado sentirá no corpo a sentença. Ele não vai ouvir a sentença, ela será escrita diretamente em seu corpo, camada por camada, e num determinado momento decifrará o significado de sua punição.

O “Oficial” da “Colônia Penal” explica de onde vem todo seu poder:

- “A questão é a seguinte. Fui nomeado juiz daqui da colônia penal, apesar de minha pouca idade, pois fiquei ao lado do antigo comandante em todas as questões penais e sou quem melhor conhece o aparelho. 
O axioma segundo o qual decido é: a culpa é sempre indubitável. 
Outros tribunais podem não seguir esse princípio, pois são compostos de muitas cabeças e também têm instâncias superiores. O que não é o caso aqui, ou não era, ao menos sob a batuta do antigo comandante. O novo se mostrou disposto a se intrometer em meu tribunal, mas até agora consegui rechaçá-lo, e assim vou continuar…
O senhor queria uma explicação para esse caso, e ele é simples assim, como todos. Hoje pela manhã um capitão apresentou a denúncia de que este homem, que lhe fora designado como ordenança e que dorme diante de sua porta, dormiu além da conta durante o serviço. Na realidade, ele tinha a obrigação de se levantar a cada batida da hora e prestar continência diante da porta do capitão. Certamente não é um dever difícil, mas é necessário, pois ele deveria se manter alerta tanto para vigiar como para servir. Na noite passada, o capitão quis verificar se o ordenança cumpria seu dever. Ele abriu a porta na batida das duas e encontrou-o dormindo, encolhido. 
Ele pegou o chicote de montaria e bateu em seu rosto. Em vez de se levantar de pronto e pedir perdão, o homem agarrou seu superior pelas pernas, sacudiu-o e gritou: 'Jogue o chicote fora ou eu devoro você!'. 
Esses são os fatos. O capitão me procurou uma hora atrás, eu registrei sua denúncia e, em seguida, lavrei a sentença. Então, ordenei que o homem fosse acorrentado. Foi tudo muito fácil. Se eu tivesse convocado o homem e o interrogado, só causaria confusão. Teria mentido, e, se eu tivesse sucesso em desmenti-lo, ele teria substituído essas por novas mentiras e assim por diante. 
Mas agora eu o tenho preso e não o solto mais. Tudo esclarecido? O tempo está passando, a execução já deveria ter começado, e eu não terminei a explicação do aparelho. — Ele fez com que o viajante se sentasse na cadeira, voltou a se aproximar do aparelho e começou a falar: — Como o senhor está vendo, o rastelo corresponde ao formato do ser humano; aqui fica o rastelo para o tronco, aqui os rastelos para as pernas. Para a cabeça está destinada apenas esta pequena goiva. Está claro para o senhor?
- [...] Então, agora, apenas o essencial… Quando o homem é posto na cama, e ela começar a tremer, o rastelo é baixado até o corpo. Ele se posiciona sozinho de tal forma que toca o corpo apenas com as pontas; quando o posicionamento termina, este cabo de aço imediatamente se tensiona como uma barra. E aí começa o funcionamento. De fora, um não iniciado não percebe diferença nas sentenças. O rastelo parece trabalhar de modo uniforme. Vibrando, ele crava suas pontas no corpo, que também treme com a cama. Para possibilitar que qualquer um verifique a execução da sentença, o rastelo é feito com vidro, o que causou algumas dificuldades técnicas para prender as agulhas, o que no entanto, após muitas tentativas, foi alcançado. Não poupamos nenhum esforço. E agora qualquer um pode ver, através do vidro, como a inscrição é marcada no corpo. O senhor não quer se aproximar mais para ver as agulhas?
O viajante ergueu-se devagar, foi até o oficial e se curvou sobre o rastelo. - Veja - disse o oficial - duas agulhas diferentes em ordem variada. Cada uma das longas tem uma curta ao lado. A longa é a que escreve, a curta espirra água para lavar o sangue e manter a escrita sempre nítida. A água ensanguentada é conduzida para dentro de pequenas canaletas e corre por fim nesta canaleta principal, que leva até o fosso.
- [...] só por volta da sexta hora o condenado perde o prazer de comer. Nesse instante, em geral eu me ajoelho aqui e observo este fenômeno. O condenado raramente engole o último bocado, que ele põe de um lado para outro na boca e depois cospe no fosso [...]. Mas como o condenado fica tranquilo pela sexta hora! A compreensão atinge até os mais estúpidos. Começa ao redor dos olhos. E então se espalha. Um aspecto que poderia convencer alguém a se deitar junto debaixo do rastelo. Depois disso não acontece mais nada, o condenado apenas começa a decifrar a escrita, espicha os lábios, como se estivesse escutando.  O senhor viu que não é fácil decifrar a escrita com os olhos; mas nosso homem decifra-a com as feridas. Mesmo assim, é um trabalho e tanto; ele precisa de seis horas para completá-lo. Então o rastelo transfixa-o de um lado ao outro e atira-o no fosso, quando chapinha em meio à água ensanguentada e ao algodão. Então a execução da sentença chega ao fim, e nós, eu e o soldado, enterramos o corpo (A Colônia Penal - KAFKA, 2011)." 

Na historia escrita por Kafka há violação de todos os princípios estabelecidos entre os seres humanos, além de desrespeito ao devido processo legal, desrespeito ao princípio do Contraditório e Ampla Defesa. O “Oficial”, através de seu “aparelho singular”, não suplicia somente o condenado, mas inflige no corpo do condenado a sentença por 12 horas seguidas.

Na “Colônia Penal Brasileira”, algumas vozes se levantaram contra o “Oficial” Moraes:

- O senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirmou que é notório para todos os brasileiros que ”graves” decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), violam a Constituição Federal. Em pronunciamento, o parlamentar disse estar presenciando violações gravíssimas por parte do ministro desde o ataque às sedes dos três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

- Segundo a Associação de Familiares e Vítimas de 08 de janeiro (Asfav), criada no final de abril para auxiliar os acusados pelos atos e seus parentes, há uma série de "violações" aos direitos de réus e presos.

- "Não se trata nem de questões políticas, são violações de direitos. As pessoas dizem: ah, tem que pagar mesmo, porque Bolsonaro é um grosso, é um fascista... Mas não se trata dessas questões, se trata de que estão abrindo precedentes que depois podem ser usados contra qualquer um", diz a advogada Gabriela Ritter, presidente da Asfav cujo pai foi preso no 8 de janeiro em Brasília e permanece na cadeia.

- O defensor público federal Gustavo Ribeiro, que coordena a defesa dos réus do 8 de janeiro e diz falar em nome de seus colegas da Defensoria Pública da União (DPU), disse à BBC News Brasil que vê “excessos” nas prisões e processos judiciais. - "Tem uma série de coisas completamente descabidas", diz Ribeiro, dando como exemplo prisões prolongadas de pessoas cuja culpabilidade não teria sido demonstrada.

- O relatório da Asfav lista o que seriam irregularidades nos processos — a começar pelo próprio julgamento dos casos no STF, uma vez que a rigor apenas pessoas com foro especial por prerrogativa de função são julgadas desde o início ali. A crítica é endossada pelo defensor Gustavo Ribeiro. - "Muitas dessas pessoas que estão sendo processadas não têm foro. Por que estão no STF?", questiona Ribeiro.

- Normalmente, pessoas sem foro têm seus casos julgados inicialmente na primeira instância e, havendo recursos, as ações podem eventualmente chegar ao STF. Uma vez que os presos do 8 de janeiro já começaram a ser julgados no STF, a Asfav argumenta que eles perderam a possibilidade de recorrer a outras instâncias.

- O documento da Asfav também aponta que as audiências de custódia dos presos não foram realizadas no prazo de 24h, como determina a lei. Essas audiências servem para que um preso seja apresentado ao juiz, que vai ouvir manifestações das partes (como a defesa e o Ministério Público), avaliar a necessidade da manutenção da prisão e observar eventuais ocorrências de tortura ou maus-tratos.

Do alto de sua “sabedoria burocrática”, com todas as autoridades da República Brasileira acovardadas, sem resistências, o “Oficial” Moraes afirma ao povo e justifica o crime que está cometendo contra os encarcerados da “Colônia Penal do Brasil”: - São “crimes multitudinários”.

Isto é, são crimes praticados por uma multidão em tumulto, que deliberadamente e espontaneamente se organiza para a prática de um comportamento comum contra pessoas ou coisas.  Assim, é “impossível especificar a contribuição individual de cada participante”. Portanto, todos são golpistas, todos são terroristas, e todos sentirão na pele o poder e a punição escrita do “Oficial”.

A tortura que o “Oficial” Moraes está impondo aos encarcerados de 8 de janeiro, deixará sua marca indelevelmente no corpo e na mente dos presos. Se conseguirem, um dia, livrar-se da prisão onde são atormentados, a escrita do “Oficial” Moraes os perseguirá e estará presente em cada ato de seu dia-a-dia, no seu passado, nos papeis, na sua pele: ao tentarem se ressocializar, ao procurarem o mercado de trabalho para refazer suas vidas, as marcas se farão presentes. A sentença sempre estará à frente.

De que mundo vieram essas autoridades que estão oprimindo a nação? Essas feras que nos dirigem atualmente são mesmo humanas? São feras vestidas de toga, por isso espalham medo?

Por que outras autoridades não reagem contra Moraes, Barroso, Fachin, Gilmar Mendes, Toffoli, Carmem Lúcia, já que todos estão cometendo crimes contra a população indefesa?

Por que não são afastados imediatamente?

Teria esse grupo recebido uma iluminação divina? Seriam uma casta de “Aiatolás” com uma “mensagem grandiosa” e a “missão sublime” de estabelecer uma “Ditadura do Judiciário” dentro da nação brasileira?  

Já afirmaram que o STF é o único responsável pela manutenção do “estado democrático de direito”, é o único responsável pela defesa das “instituições” e ainda afiançam que “salvaram vidas” durante a epidemia de Covid. Mandam e desmandam no Brasil sem que nenhum dos “Manés” que perderam, nem os que ganharam as eleições, tivessem lhes dado um único voto. Jamais prestam contas de seus atos. A lei é para os outros. E do alto de sua arrogância chamaram os Senadores de “Pigmeus morais!!! 

O excepcional texto de Kafka nos mostra quanto o poder corrompe.

O poder sem fiscalização rígida. O poder pelo poder. O poder bestial.

O poder fantasiado de justiça acendendo violência, medo e revolta.

A ficção de Kafka se tornou realidade no Brasil.

Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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