Reformas ou Remendos?

12/04/2017 às 06:28 Ler na área do assinante

Um conto popular diz que certo proprietário rural distribuía famílias por todos os recantos de seu latifúndio para demarcar a propriedade. As moradias eram precárias e, quase, sempre a prole do trabalhador era grande. Em certa ocasião um deles solicitou a construção de mais um quarto, pois era muita gente para pouco espaço. Em resposta o patrão, no dia seguinte, mandou o capataz levar um bode (reprodutor jovem e forte) para que o reclamante tomasse conta por uns dias, com a recomendação de que ele não podia tomar sol nem sereno. A única solução era o bode ficar dentro da residência. E assim foi feito. Uma semana depois, o senhor mandou tirar o bode. O trabalhador agradeceu e ficou feliz, apesar de a casa estar mais avariada que antes e, consequentemente, as condições de vida terem ficado piores.

Isso é o que acontece neste espoliado Brasil de Michel Temer, Henrique Meirelles, Renan Calheiros, Romero Jucá, Jáder Barbalho, Lula, José Sarney e toda a base aliada, que muda constantemente. A cada momento se faz remendos e mais remendos nas leis impostas aos pagantes de impostos. Os banqueiros e os políticos sempre felizes enquanto o povo se estraçalha para pagar os impostos cada vez maiores.

Os parlamentares que compõem o Congresso Nacional, em sua maioria afogados no lamaçal de corrupção que degrada Pindorama, querem construir um sistema eleitoral que garanta a perpetuação deles no poder. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, desacreditados, constroem leis que cada vez mais envergonham o povo brasileiro. Esquecem que são mortais e, mais cedo ou mais tarde, serão defenestrados dos esdrúxulos privilégios que hoje desfrutam. Seus nomes serão esquecidos, mas seus atos mancharão eternamente seus currículos.

A última diatribe (ou penúltima, nunca se sabe) de suas excelências foi a proposta de reforma política apresentada pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da Comissão Especial da Reforma Política na Câmara que, sem esconder a ironia, disse que o sistema seria transitório e só valeria até as eleições de 2022. O ínclito deputado petista, candidamente, propõe um sistema de voto em lista fechada (o eleitor votaria no partido e não no candidato) e financiamento público que acomodaria a vida daqueles que, como ele, não se reelegeriam no sistema de listas abertas.

Cândido justificou: “Não tem um sistema perfeito. Nós vamos escolher aquele mais adequado para este momento, com o roteiro que poderemos adotar outro sistema depois das eleições de 2022”. E, considerando que as empresas não mais poderão financiar candidatos e partidos (decisão do STF), propõe que o financiamento de campanha seja dividido entre recursos públicos (70%) e contribuição de eleitores (30%), com restrições ao autofinanciamento para evitar vantagens dos candidatos ricos. Seria hilário se não fosse triste e lamentável.

Para tanto, a Comissão propõe a criação de um “fundo eleitoral” que poderia atingir o valor de R$ 6 bilhões em 2018, sem a extinção do “fundo partidário” que hoje totaliza mais de R$ 800 milhões. Sem esquecer que o horário de rádio e televisão “gratuito” (que hoje custa mais de R$ 600 milhões em abatimento de impostos para as empresas de mídia pelo serviço prestado) continuaria nos moldes atuais. Os fundos seriam reajustados anualmente.

Outra novidade é a extinção dos cargos de vice para os cargos executivos (presidente, governador e prefeito), visando a valorização dos cargos de presidentes dos órgãos legislativos. O segundo suplente de senador também iria para o espaço (o primeiro suplente permanece para “ajudar” o candidato). A justificativa é que ninguém vota em vice ou em suplente, eles só vão na carona e ajudam no financiamento da campanha. Entretanto, os candidatos a cargos executivos poderiam disputar, simultaneamente, um cargo no legislativo.

Michel Temer (presidente da República), Eunício de Oliveira (presidente do Senado), Rodrigo Maia (presidente da Câmara) e os inefáveis, Renan Calheiros, Jáder Barbalho, Romero Juca, José Sarney e a base aliada se manifestaram favoráveis à reforma de Cândido. O ministro Gilmar Mendes (presidente do STE), de forma “neutra” como exige seu alto cargo afirmou, sem delongas: “Vamos parar com sofismas: dizer que o sistema eleitoral de lista aberta é um sistema em que a gente vota e escolhe o candidato é uma enganação, porque nós votamos em cabeça de chapa e elegemos alguém que não tem votos. Votamos em Tiririca e elegemos Protógenes Queiroz, votamos em Tiririca e elegemos Costa Neto”.

O relator e os demais parlamentares admitem que o modelo proposto diminui a possibilidade de renovação dos parlamentares no Congresso, mas consideram esse fato irrelevante. Eles acham que as coisas estão boas como estão, e que não há necessidade de renovação. Por outro lado, todas as excelências denunciadas por corrupção continuariam com o foro privilegiado e a impunidade garantida.

Se tal remendo for aprovado, seria tirar o bode dos bastidores do Congresso, deixando todas as mazelas (aumentadas) para que a população, humildemente, beijasse as mãos dos poderosos. Isto porque conjuntura nacional é o entrelaçamento de todos os fatos em um determinado momento histórico. Não há como isolar acontecimentos de suas consequências; não é possível isolar fatos locais do contexto globalizado, sob pena de se perder em tapa-buracos, nepotismos municipais e briguinhas de vereadores enquanto o mundo avança celeremente.

De nada adianta condenar a corrupção dos petistas se não fizer o mesmo com a corrupção das demais facções partidárias, destacando-se as do PMDB e as do PSDB. É quase impossível avaliar as obras paralisadas da prefeitura sem olhar para os “elefantes brancos” estaduais e federais, isto porque o mundo está globalizado, mesmo que Donald Trump e os ingleses não acreditem.

Como isolar a midiática “operação carne fraca” desencadeada pela Polícia Federal dos efeitos decorrentes nas áreas econômica, social e política? Ou como descolar a corrupção de uma “quadrilha de fiscais agropecuários” da corrupção política que grassa no Congresso Nacional uma vez que o próprio ministro da Justiça, deputado Osmar Serraglio, é um dos protetores do grupo? Fiscais cobravam propina, o que caracteriza corrupção administrativa, para favorecer poderosas empresas enquanto as autoridades superiores faziam vista grossa. O fiscal denunciante do esquema afirmou que o ministro da Agricultura há muito sabia da existência dos desmandos nos frigoríficos.

Então chegou a vez de os policiais, desastradamente, transformarem um fato administrativo em um caso de saúde pública, causando avarias no sistema de exportações de carne. A operação atingiu os produtores rurais e a população em geral. Os maiores beneficiários foram as emissoras de rádio e televisão que receberam uma enxurrada de longos anúncios explicando o inexplicável.

O governo, ao invés de tomar providências saneadoras nas áreas políticas da Agricultura e da Justiça, reforçou as verbas de propaganda para acalmar as grandes redes de rádio e TV. Os marqueteiros aproveitaram para melhorarem a imagem de Michel Temer sem que a oposição protestasse, uma vez que ele estava defendendo a carne brasileira.

A resposta do mercado internacional foi rápida: vários países anunciaram retaliações às importações de carnes brasileiras, para logo em seguida voltarem atrás, não sem antes tirarem vantagens comerciais. Algumas autoridades, displicentemente, comentaram que isso era transitório e que tudo voltaria ao normal. O estrago foi grande e levará alguns anos para voltar ao que era antes. Blairo Maggi, com o aval de Henrique Meirelles (ex-presidente do Conselho de Administração da holding J&F), anunciou o auxílio de R$ 1 bilhão para compensar os prejuízos dos frigoríficos. Os banqueiros apoiaram a providência.

E o que falar a respeito das consequências econômicas e sociais decorrentes do mensalão, do petrolão, da privataria e demais focos de “corrupções” que aconteceram (e continuam acontecendo) nos últimos trinta anos, initerruptamente? Isto, sem incluir as desastrosas “reformas políticas” que aconteceram no mesmo período e que ora patrocinam a reforma trabalhista e a reforma da previdência. Nos avanços e recuos de Meirelles e Temer, os “velhos pelegos” que comandam os sindicatos também levam suas vantagens para o fortalecimento de seus feudos.

Também não há como desvincular as mordomias e os desvios econômicos existentes nos privilegiados estamentos políticos da crise econômica que solapa a vida dos brasileiros. E a solução vislumbrada pelo Ministério da Fazenda é a extinção de algumas conquistas conseguidas pelos trabalhadores, além de ameaçar com novos aumentos de impostos. E para mostrar que não está brincando, o representante dos banqueiros tirou o incentivo fiscal de alguns grupos de empresas.

Assim Pindorama não aguenta (Chicago também faliu nas mãos de Al Capone). A situação está propícia para que algum aventureiro salvador da pátria apareça.

LANDES PEREIRA. Economista com doutorado; é professor de Economia Política.

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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