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O terceirizante é um cafetão dos valores da pessoa humana e o terceirizado um escravo

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Aprovada a chamada Reforma Trabalhista, voltemos à terceirização, que nada mais é do que uma das muitas maneiras que encontraram para enganar o trabalhador. Terceirização é tapeação. É humilhante exploração da força do trabalho humano. Todos saem enriquecidos, menos o empregado terceirizado, que perde tempo, dignidade, autoestima, adoece, nunca progride, fica ao desamparo e sofre discriminação. E quando chega a receber o salário, ganha uns trocados do que sobrou com a comercialização da sua pessoa, da sua dignidade, desumana e criminosamente transformada em mercadoria.

Terceirização é uma espécie moderna de escravatura, com sutil diferença: aluga-se o homem e a mulher. Ganham o locador e o locatário. Na escravatura, o escravo trabalhava duro, era castigado, apanhava e nada recebia. Nesta outra escravatura brasileira do Século XXI, espera-se que o escravo-trabalhador não seja castigado, nem espancado e receba uns trocados no final do mês. Eis a diferença.

Terceirização também guarda forte conotação de semelhança com cafetinização. Se cafetão (ou cafetina) é quem agencia homens e mulheres para momentos de prazeres sexuais de terceiro(s) e lucra com esse negócio, o mesmo acontece com aquele que também agencia a força do trabalho humano. Se a palavra cafetão é muito forte, então, vamos substituí-la pela palavra que está no artigo 230 do Código Penal: rufião. O certo é que, rufião, cafetão e terceirização têm tudo a ver no modo ‘modus operandi’. Tudo é promíscuo. Coitado do empregado terceirizado, que sem saber e sem querer, tem aviltado, degradado e prostituído todos os seus naturais direitos fundamentais inerentes a qualquer pessoa humana e que estão previstos na Constituição Brasileira e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O empregado terceirizado nunca vai progredir na empresa que o arregimentou para explorar e negociar sua mão de obra, porque nela não tem nem nunca terá promoção e muito menos quadro de carreira. E a sua situação na empresa que alugou sua força de trabalho será amesquinhada, seja para prestar serviço de meio ou de fim.

Equiparação salarial com outro empregado que faz o mesmo serviço e ganha muito mais, ele nunca conseguirá. Ele é terceirizado.

Participação no lucro da empresa, nem pensar. Ele é terceirizado.

Promoção e inclusão no quadro de carreira nunca lhe será permitido. Ele é terceirizado.

Ser incluído no plano de saúde ou no contrato de seguro que a empresa onde presta seu serviço fornece a seus empregados registrados, também não terá a menor chance. Ele é terceirizado.

Ser tratado de ‘colega’ e filiar-se ao mesmo sindicato da categoria dos que verdadeiramente são empregados da empresa, não passa de quimera. Ele é terceirizado.

Por falar em sindicato, qual será mesmo o sindicato da categoria dos empregados terceirizados?

É nesse ambiente, nessa atmosfera em que predomina o sentimento de inferioridade, de ser ele um ‘estranho no ninho’, que o empregado terceirizado, legal e oficialmente, vai trabalhar.

Sejamos realistas e parem de enganar o povo brasileiro. Que se lhe dê dignidade e que a cidadania de cada um seja exercida e respeitada na sua plenitude e não fique apenas no papel. Toda empresa, micro, média ou de grande porte, nacional ou estrangeira com sede ou sucursal no Brasil precisa ter seus empregados próprios. Não, os de aluguel. Terceirização é a pior maldade que o governo cometeu contra o trabalhador, seja terceirização de meio ou de fim. E empresa e empresário que se prestem a tal objetivo, são verdadeiros proxenetas dos valores próprios da pessoa humana. E o trabalhador-terceirizado, uma vítima dessa chamada Reforma Trabalhista.

Curioso: se com a CLT vigente, sempre em defesa do trabalhador, existem hoje em curso mais de 8 milhões de ações trabalhistas nas varas e tribunais por este Brasil afora, com esta liberalização geral o número de ações vai triplicar em menos de um ano. A relação patrão-empregado e vice-versa em nosso país, nunca foi harmoniosa e dignificante. Mas conflituosa e traiçoeira. Autorizar a lei que patrão e empregado estabeleçam suas próprias condições de trabalho, aí mesmo é que haverá muito mais conflito.

Jorge Béja

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Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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