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O pior cego é o que furou os próprios olhos - e não concebe que haja pontos de vista

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Abri uma porta do inferno das grandes ontem. Depois de fazer um relato sobre a diarista aqui de casa, uma página feminista compartilhou me chamando de sinhá, que isso só podia ser coisa de "branca rica". Eu sempre soube que vivemos num país de gente muito medíocre, mas é mais assustador vê-las de perto e saber que será muito difícil sairmos da lama.

Conseguiram distorcer tudo que falei a respeito dela. Quando falei que ela trabalhava desde os 13 anos, disseram que era uma apologia ao trabalho infantil. Quando falei que ela trabalha numa jornada extensa por vontade própria, disseram que isso não é possível, como se eles a conhecessem o suficiente para saber o que ela pensa e como escolheu trabalhar. Quando falei que ela cria bem os filhos, tanto que eles se viram nos afazeres de casa, falaram que eu queria que eles também fossem criados para serem serviçais, quando na verdade eles recebem uma excelente educação bancada pela mãe que rala muito para que eles possam ter melhores oportunidades, nem por isso deixaram de aprender a cuidar da própria casa.

90% dos comentários negativos vieram de mulheres que se auto proclamam feministas e vivem sob o mote de que "mulher pode ser o que ela quiser", desde que seja o que ELAS querem que você seja. Recebi comentários desprezíveis do tipo "vai você trabalhar limpando o chão pra ver se ia se sentir mesmo digna", desmerecendo o trabalho de quem ganha a vida como faxineira. Muitas dessas pessoas disseram que é muito pouco ganhar o que ela ganha para trabalhar tanto, super preocupadas com a convivência dela com a família e os filhos, mas nem um pouco preocupados em quantos boletos ela paga.

Essas pessoas, que provavelmente ganham menos por mês do que a Rô, ficaram abismadas por ela fazer uma jornada de 12h por dia para cobrar mais e assim fazer mais dinheiro. Para eles, ela não tem discernimento para saber o que é bom, o que é justo e que trabalhar demais assim faz mal. Para eles, é impossível ser digno e feliz trabalhando dessa maneira. Pois vocês desconhecem a realidade da maioria dos brasileiros autônomos e empresários.

A Rô tira em média R$4.500 limpo por mês, trabalhando 72 horas na semana, por ESCOLHA DELA. Já recebeu propostas pra ser mensalista registrada, mas ela prefere ser autônoma e ganhar mais. Ela ganha mais do que 93% da população brasileira ganha, mais do que 89% da população do Estado de São Paulo, com um salário maior do que boa parte de profissionais com graduação e até inglês fluente. A média de salário do brasileiro gira em torno de R$1890,00, trabalhando até 48 horas semanais.

Autônomos e empreendedores dificilmente trabalham menos de 12 horas por dia, justamente por terem escolhido a possibilidade de ganhos maiores e, portanto, com mais dedicação. Para essas pessoas abjetas que acham que fazer faxina é digno de pena, seria melhor ela estar registrada ganhando um salário mínimo ou pouco mais que isso, apenas para ter os "benefícios" da CLT. Ela ter a OPÇÃO de trabalhar mais para poder cobrar mais pelo seu serviço e sustentar seu filhos de uma forma melhor? Não, ela não pode. É uma eterna luta dos "justiceiros sociais" para proteger as pessoas delas mesmas.

Me parece que o fato que mais despertou a ira do grupelho barulhento é o fato de ser um trabalho que envolve tarefas domésticas. Recebi em um comentário: "só no Brasil é normal ter alguém para fazer sua faxina". Para eles, é melhor deixar pessoas com a Rô sem emprego, porque afinal, trabalhar de forma digna limpando a casa de quem pode pagar é um ultraje. Mas e se a Rô resolvesse vender coxinhas e trabalhasse o mesmo número de horas? Aí pode? E se ela, como muitos que conheço, resolvesse ser motorista de Uber e trabalhasse com a mesma carga horária, pra tirar o mesmo salário que ela tira hoje como diarista? Aí pode?

É lamentável ver que a mentalidade de uma boa parte das mulheres jovens do Brasil é essa, que acha que é tão superior que deve escolher pelos outros aquilo que eles podem ou devem fazer. É triste perceber que não há saída para um país que despreza pessoas que trabalham e que se esforçam mais do que a média para garantir melhores salários. É absurdo ver que tanta gente compara o trabalho da Rô com escravidão e acha que ela está sendo explorada sem saber. Vocês acham mesmo que ela não tem capacidade para decidir como trabalhar e viver? Esse é o tamanho do preconceito de vocês.

Vocês que me chamam de sinhá, de exploradora e que devia ter vergonha de ter uma profissional dedicada como a Rô, que acham que nunca trabalhei na vida baseando-se só de olhar minha cara, saibam que trabalho desde os 15 anos, desde os 18 no mercado financeiro com cargas horárias elevadas e há 3 anos como autônoma na minha própria consultoria, atendendo clientes em absolutamente qualquer horário, não importa se estou de férias, se é sábado, domingo, feriado, madrugada. Isso se chama comprometimento e, por causa desse esforço, hoje ganho muito mais do que ganharia se fosse CLT em qualquer empresa, mas sem essa tal "estabilidade" que vocês acham que é o sonho de todo mundo.

Vocês não precisam ser como eu, como a Rô, como milhares de empreendedores e autônomos que trabalham muito mais do que 8 horas por dia, ganhando mais do que vocês e achando que o sacrifício vale a pena. Só não interfiram na nossa liberdade de escolha.

Liberdade é para poucos.

>#opaíssemfuturo

Renata Barreto

A autora é economista

da Redação Ler comentários e comentar