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O que Temer disse nesta sexta-feira e o que tinha o dever de dizer e não disse

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Vestindo pulôver azul-claro fechado até o pescoço, usando muita maquilagem no rosto para aparentar menos velhice, com os cabelos sempre emplastrados de fixador (gumex?), e sem o menor constrangimento, Temer apareceu nesta sexta-feira, 28, apenas nas redes sociais, em vídeo gravado pela TVNBR, para anunciar a assinatura de decreto que autoriza o envio de tropas federais para o Rio a fim de garantir a lei e a ordem.

A gravação, que se percebe muitos cortes de edição, foi curta e rápida: 1 minuto e 18 segundos. Mas Temer mentiu muito. Um pronunciamento verdadeiro, autêntico, desmascarado e corajoso seria outro. Mas vamos ao que Temer disse e ao que Temer tinha a obrigação de dizer, e não disse.

Disse Temer, textualmente:

"Eu me dirijo a todos os brasileiros, mas especialmente àqueles que residem no Rio de Janeiro. Eu assinei hoje decreto que autoriza o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem no Rio de Janeiro. Esse emprego está amparado pela Constituição Federal. O objetivo da missão é defender a integridade da população, preservar a ordem pública e garantir o funcionamento das instituições. O agravamento da situação da segurança pública está no centro de nossas preocupações. Ao longo do meu governo acompanho e instruo os ministérios a tomarem as medidas necessárias para enfrentar esse desafio. A medida de hoje em relação ao Rio de Janeiro é mais um passo no combate a essa situação que hoje inquieta a angustia todos os brasileiros, particularmente os moradores do Rio de Janeiro. Desejo muito sucesso às forças federais que estão no Rio de Janeiro e que estão em coordenação com as forças de segurança estaduais e municipais que cuidarão da segurança no Rio de Janeiro".

O que Temer não disse, mas tinha o dever de dizer:

"Eu não gosto de me dirigir aos brasileiros, em quem muito pouco penso e nem me preocupo. Mas, mesmo a contragosto - porque minha preocupação é me manter do poder até o final de 2018 e meu empenho atual é comprar votos e consciências dos deputados federais para que não permitam que qualquer denúncia-crime contra mim, apresentada ao Supremo Tribunal Federal, seja aprovada e autorizada pela Câmara dos Deputados -, eu me vejo na obrigação de falar hoje aos que residem no Rio de Janeiro. Informo que assinei hoje decreto que autoriza o emprego das Forças Armadas para garantir a lei e a ordem que faz anos que andam despedaçadas no Rio. E, reconheço, que o culpado disso tudo também sou eu. Dilma e eu não formamos a chapa que venceu as eleições de 2010 e 2014? Ela, a Dilma, como presidente. E eu, como vice. Portanto, tenho o dever de assumir a chamada responsabilidade administrativa solidária, em que bônus e ônus sempre devem ser repartidos entre quem é presidente e quem é vice-presidente do Brasil. E desse primário primado do Direito, e como constitucionalista que sou, jamais recusá-lo-ei reconhecer e assumir. Também sou culpado, sim. Além do mais já assumi a presidência plena há mais de um ano, e a violência urbana, no Brasil e principalmente no Rio, só fez aumentar, desmedidamente. E ao longo do meu governo - e do da Dilma também - nem ela, nem eu, nos preocupamos com isso, porque para nós o bem-estar e a segurança do povo nunca foram prioridades. Pior do que isso: nunca foram cogitadas aqui em Brasília, nem muito menos tratadas com ministério algum. Mas agora, a situação está a cada dia piorando para mim e para meus assessores diretos e meus ministros. Para concluir: considerando que 93% do povo brasileiro deseja me ver fora da presidência e considerando que milhares de famílias choram seus mortos, que foram e estão sendo assassinados no Rio - e chorar é uma experiência, uma reação sentimental que nunca tive, jamais senti, mas sei que existe - eu resolvi mandar as Forças Armadas para o Rio de Janeiro. Mesmo sem saber onde os 10 mil homens ficarão alojados, a fortuna que vai ser gasta com essa decisão improvisada, se existe ou não um plano de ação no combate à criminalidade, os soldados federais já estarão a partir de hoje, sexta-feira, 28 de Julho de 2017 e até 31 de Dezembro deste mesmo ano, acantonados na cidade do Rio. Onde ficarão, não sei e ninguém sabe. E isso é bastante comum nas improvisações. E desejo muito sucesso às forças federais, estaduais - estas reconhecidamente esfarrapadas e sem receber seus soldos em dia. Perdão, eu falei sucesso, substantivo que empreguei mal por ser mais adequado à emoções e sentimentos festivos. Daí substituo-o por êxito".

Jorge Béja

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Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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