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A meia gravidez

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Uma anedota antiga, passada de geração a geração, conta que uma jovem diz para sua mãe: ‘estou grávida’. A mãe tem uma reação forte, com choro, gritaria e ranger de dentes. Para acalma-la, a filha tenta explicar: ‘a senhora não entendeu, estou grávida só um pouquinho’. Esse é o caso ilustrativo da meia verdade. Porque não existe ‘meia grávida’. Ou é ou não é. Essa meia verdade, lamentavelmente, está hoje na moda.

Penso nesta piada, de gosto duvidoso, ao relembrar o comentário de um presidente, que não deixou saudades pelas suas trapalhadas, ao afirmar que em 2008 as iniciativas governamentais, objetivando a expansão de vagas no ensino universitário, iriam provocar uma ‘pequena revolução’ no processo educacional brasileiro.

Acontece que o significado da palavra ‘revolução’ é bem precisa a partir dos clássicos do pensamento político e econômico, com a matriz teórica estabelecida por Marx. Grosso modo, pode ser entendida como uma profunda transformação nas estruturas socioeconômicas de modo que, a um certo momento, todas as estruturas antigas deixam de existir.

Hoje, esta palavra está muito desgastada, perdendo em muitas ocasiões o seu significado. O que mais se pratica nos tempos atuais é o ‘reformismo’, ou seja, mudanças superficiais sem promover transformações estruturais que possibilitem inovações. Dessa forma, não tenho dúvida de que é urgente desencadear uma verdadeira revolução na atual e empobrecida educação brasileira.

Por dever de justiça, é possível reconhecer o esforço dos governos recentes com experiências educacionais para superar os entraves até agora enfrentados. Nesse sentido, o presidente referia-se ao Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que propunha a oferta de mais cursos de graduação, numa perspectiva de ampliação de 100.000 mil novas vagas, vindo a se somar ao programa ProUni (Programa Universidade para Todos), que atende aproximadamente milhares de alunos de baixa renda. Porém, não se pode esquecer o outro lado desta moeda, ou seja, o estado de crise das universidades públicas federais.

Mas que crise é esta se a todo o momento é possível ver a sua expansão física e até sucessos pontuais? Este é o primeiro aspecto para quem quer fazer uma ‘revolução’ no ensino universitário. É necessário colocar o dedo na ferida e fazer um corajoso diagnóstico sobre ‘o que está acontecendo com a universidade pública’. É preciso muito cuidado com as generalizações dos problemas presentes, pois existem peculiaridades de instituição para instituição.

É preocupante o nível da qualidade do ensino apresentado pelas universidades. Alguns fatores, sempre recorrentes, encontram-se nos salários não satisfatórios, bibliotecas não atualizadas, pesquisas limitadas ou, simplesmente, falta de motivação ou distanciamento da cidadania e compromisso com o desenvolvimento da educação do país. Com certeza, falta um mapeamento desses ‘gargalos’ para a construção de um amplo projeto que avance sobre o atual estágio das universidades.

Outras fases da educação formal enfrentam os mesmos problemas, apesar das várias tentativas de solução. A ampliação dos benefícios do Bolsa Família é o caso mais visível. Porém, segundo especialistas em educação, não basta expandir programas deste tipo, pois o problema continua o mesmo, ou seja, a questionável qualidade de ensino. Estamos produzindo uma quantidade inimaginável de semianalfabetos, para dizer o mínimo. Alguém já reparou nos erros de português, os mais elementares, que a televisão expõe ao entrevistar as pessoas que circulam pelas cidades brasileiras? O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação, concluiu que as crianças das 4a. séries do ensino fundamental não adquiriram sequer os conhecimentos do primeiro ano. Pode uma loucura desta?

Porém, não se pode generalizar. Seria cometer uma grande injustiça com algumas experiências pedagógicas que estão por este imenso Brasil com resultados altamente positivos. São ideias simples, mas geniais. Cito dois exemplos: a cidade de Alto Alegre do Pindaré, MA (32 mil habitantes), e a cidade de Sete Barras, SP (15 mil habitantes).

Numa antiga notícia do jornal Folha de S. Paulo, sobre a cidade de Alto Alegre do Pindaré, dizia que ‘a biblioteca da escola é transportada de um canto para o outro por um jegue guiado por alunos, professores e diretores. Os mestres passam por avaliações e estão sujeitos a ter de frequentar aulas de reforço. Uma representante visita a casa do aluno que falta dois dias consecutivos para saber o motivo da ausência’. Isto é apenas um aperitivo desta bela experiência. Na outra cidade, Sete Barras, a ‘avaliação dos alunos, recuperação, material didático organizado e formação dos professores são as ações apontadas pelos educadores locais como a explicação para os bons exemplos’. Nos dois exemplos é possível encontrar as raízes de uma ‘revolução’ nas bases da sociedade brasileira: é o comprometimento dos educadores e das famílias com as mudanças necessárias e esperadas.

A ‘revolução’ na educação brasileira passa, sem dúvida, por investimentos transformadores no binômio educação-família. Ou melhor, ela começa na família, responsável pelas noções de cidadania e formação do caráter de seus filhos.

A escola não substitui as obrigações familiares, mas reforça e as complementa. E educação não pode ser feita com meias verdades, mas por inteiro.

Valmir Batista Corrêa

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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