Cidade das crianças de Corumbá

19/08/2017 às 12:28 Ler na área do assinante

A colonização do Novo Mundo pelos exploradores ibéricos, espanhóis e portugueses, veio acompanhada da atuação de ordens religiosas. A participação desses religiosos foi tão importante que se tornou, de forma estratégica, a linha de frente da colonização. Foi a fase de “amansamento” e cristianização dos nativos, em especial pelos jesuítas, e que teve continuidade com outras ordens, depois que o ministro português Marquês de Pombal expulsou a Companhia de Jesus de todo o império lusitano.

O avanço dos súditos espanhóis na América do Sul pelo rio Paraguai, em direção às minas de Potosi, deixou suas marcas por onde passou, e onde depois seria território de Mato Grosso do Sul. Os jesuítas fundaram a missão de Itatim nos pantanais de Corumbá.

Bem mais tarde, a chegada de um grupo de padres salesianos, em 1894, representou outra etapa da presença de missões religiosas em Mato Grosso. Esses missionários partiram do Rio da Prata, subiram o rio Paraguai, passaram por Corumbá e instalaram-se definitivamente em Cuiabá. Na capital centraram os seus maiores esforços conforme seus objetivos de catequese de tribos indígenas da extensa região norte. Passaram a agrupar os índios em aldeamentos, chamados Colônias, onde ministravam ensino religioso, acompanhado de alfabetização, trabalhos manuais e hábitos “civilizados”, como o de vestir roupas. Ainda em Cuiabá, instalaram o Liceu Salesiano, exercendo grande influência na educação de crianças e jovens e construíram o Observatório Meteorológico Dom Bosco, entre outras atividades.

Em Corumbá, a segunda cidade do estado no início do século XX, e a mais importante região portuária da fronteira com uma extraordinária movimentação de navios mercantes, os salesianos fundaram o Colégio Santa Teresa. Em 1908, um documento registrava o seu funcionamento, com internato e externato, cursos elementar e comercial, e uma média de 150 alunos.

O Colégio Santa Teresa tornou-se um marco da educação na fronteira oeste, formando muitas gerações de jovens, incluindo pessoas que adquiriram projeção nacional como, por exemplo, o ex-Ministro do Planejamento Roberto Campos, o ex-embaixador Mario Calábria e o herói socialista Apolônio de Carvalho. Até hoje, a escola centenária cumpre o seu papel de contribuir para a educação dos jovens corumbaenses.

Porém, houve um fato novo nos projetos salesianos com a implantação de uma escola diferenciada e marcadamente humana e solidária, projetada por um jovem padre idealista, transformando-se numa das mais significativas experiências educacionais do Centro Oeste brasileiro. Esta experiência, tão cara aos corumbaenses, é a Cidade Dom Bosco, e não pode ser dissociada do seu idealizador, o padre Ernesto Sassida.

Ainda jovem, esse seminarista italiano chegou ao Brasil para completar seus estudos em Cuiabá e em São Paulo. Em 1940 dirigiu-se a Corumbá como professor do Colégio Santa Teresa, onde trabalhou por alguns anos. Nesse período, extrapolando os muros da escola, interagiu, através da organização de atividades esportivas e festas religiosas, com a população pobre da periferia da cidade, marcadamente na região fronteiriça com a Bolívia. Mais tarde, em 1950, instalou-se de forma definitiva em Corumbá como sacerdote e professor, fundando a União dos Ex-Alunos Salesianos de Dom Bosco. A partir de então participou de várias atividades de organização comunitária, como escolas, organizações solidárias de jovens carentes, entidades femininas, centro esportivo entre outros.

No final da década de 50, o Padre Sassida fez um amplo levantamento da população e de suas miseráveis moradias na região da Cidade Jardim (onde hoje se localiza o Bairro Dom Bosco), constatando a necessidade de uma escola com funções educacional e assistencial. Em abril de 1961, implantou a escola num barracão cedido por uma moradora, constituindo-se na gênese da Cidade Dom Bosco que, 7 anos depois, se transformou em ginásio estadual. Por essa época, carente de recursos para atender a dimensão educacional e social do seu empreendimento, Sassida empreendeu um arrojado projeto no exterior chamado “Adoção à Distância”, uma ideia simples que deu muito certo. Significava convencer pessoas no exterior para “adotar” um estudante carente com uma bolsa que suprisse sua sustentação na escola, incluindo roupas e alimentos. Hoje, a Cidade Dom Bosco está consolidada, com inúmeras atividades sociais, como um dos patrimônios mais significativos da cidade de Corumbá.

Segundo o jornalista corumbaense Schabib Hany, esta “obra social ... atravessou cinco décadas sem perder a ousadia, sem perder o pioneirismo, sem perder a idéia-motriz de sua gênese: o amor como instrumento de integração social de expressiva parcela da população de uma das mais ricas regiões do planeta”. O padre Ernesto Sassida, acima de críticas e sem esperar por reconhecimento pessoal, fez com ousadia a diferença na vida de inúmeras crianças de Corumbá.  Morreu aos 93 anos, em 13 de março de 2013.

(Vou tirar umas férias. Voltarei em breve)

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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