Imunidade relativa: O embate entre o STF e a Câmara
08/05/2025 às 21:43 Ler na área do assinanteAté onde vai a imunidade parlamentar passou a ser um tema que está em discussão depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) processou, prendeu e cassou o mandato do deputado federal Daniel Silveira e suspendeu outros sete deputados eleitos em 2022 com base em regras para a distribuição das sobras eleitorais consideradas inconstitucionais.
Agora foi a vez do deputado Alexandre Ramagem, acusado de participar da suposta trama golpista articulada para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. A Câmara decidiu suspender o processo que corre contra Ramagem por 315 votos a favor contra 143. A decisão não vai precisar passar pelo Senado. Logo após a aprovação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), promulgou a proposta, que já passou a valer.
No cerne da questão está a imunidade parlamentar dos deputados, que são direitos especiais garantidos pela Constituição para o cumprimento do mandato de forma livre e independente, inclusive o da função fiscalizadora do Chefe do Poder Executivo e todos os seus subordinados, sem sofrer perseguição em razão de suas ações políticas. Essas prerrogativas são necessárias em qualquer regime democrático, de modo a se proteger a liberdade e a independência dos representantes do povo para que não sejam penalizados por fazer seu trabalho.
Segundo o STJ, a imunidade material, ou "inviolabilidade parlamentar", prevista no artigo 53 da Constituição Federal, é um preceito de ordem pública que exclui a possibilidade de responsabilização civil e penal de parlamentares por suas manifestações, desde que estas sejam motivadas pelo desempenho do mandato ou relacionadas a ele. Essa proteção pode ser reconhecida de ofício pelo órgão julgador, mesmo que não seja suscitada pelas partes, garantindo que deputados e senadores não sejam punidos por suas opiniões, palavras ou votos. Essa imunidade assegura a independência dos parlamentares no exercício de suas funções, protegendo-os contra ações judiciais que possam interferir em sua atuação legislativa.
De acordo com o § 8º do citado art. 53, as imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida. Examinando ambos os dispositivos verificamos que não há como dar uma interpretação diferente sobre o que dispõe nossa Carta Magna, pois quem redigiu os textos nelas inscritos foi o constituinte, que era o legislador, e que, segundo o brocardo latino, in claris cessat interpetatio. O parlamentar está salvo de qualquer medida judicial por suas palavras e votos proferidas no exercício do mandato.
Uma norma constitucional não é igual a uma norma legal. Nesta se permite a vontade objetiva da lei, considerando o sistema jurídico em sua totalidade, e que, segundo os clássicos, é distinta da do legislador: mens iuris, mens legislator. Realmente, o legislador constituinte não tem limite no ato de legislar, a não ser os pertinentes à ética ou a moral.
Se o legislador constituinte diz que os deputados e os senadores são invioláveis por qualquer de suas opiniões ou palavras, não vai ser um ministro do Supremo que diga o contrário, pois quem falou foi o constituinte. Para que o parlamentar possa bem exercer o seu papel de representante da sociedade livre de pressões, o constituinte lhe conferiu essas prerrogativas, conhecidas como imunidades de natureza material ou substantiva, (imunidade absoluta), e a imunidade formal ou processual, denominada imunidade relativa.
No que se refere à imunidade material, os membros do Congresso Nacional são invioláveis - civil e penalmente-, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos emitidos em razão do exercício do mandato. Trata-se, pois dos chamados delitos de opinião ou de palavra, como os crimes contra a honra, apologia ao crime, etc. Em razão dessa imunidade não se pode propor contra o parlamentar nenhuma ação penal ou civil de reparação de danos, desde que as opiniões, palavras e votos sejam proferidas no desempenho das funções parlamentares, dentro ou fora do Parlamento. Antigamente os tribunais entendiam que até as manifestações feitas fora do exercício estrito do mandato, mas em razão dele, estariam protegidas pela imunidade. Como o STF vem mudando esse entendimento, entendendo que toda imunidade é relativa, vamos ver como a Câmara vai reagir.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário