Acareações incomodam o STF e expõem algo perturbador para a corte

28/06/2025 às 16:47 Ler na área do assinante

As acareações realizadas no Supremo Tribunal Federal, no último dia 24 de junho, sob comando do presidente do inquérito, deixaram claro que o processo sobre a suposta tentativa de golpe de Estado em 2022 está mais ancorado em delações frágeis e jogos políticos do que em provas sólidas.

O episódio mais simbólico foi a acareação entre Mauro Cid e o general Walter Braga Netto. Cid, delator e peça central da acusação, afirmou que recebeu dinheiro vivo do ex-ministro da casa civil entregue, segundo ele, numa caixa de vinho. Confrontado, Braga Netto o chamou de mentiroso. Cid, em vez de sustentar sua acusação, baixou a cabeça e ficou em silêncio.

O silêncio, no entanto, não veio antes de um momento que pode ilustrar o nível de inconsistência da delação. O diálogo entre o advogado de defesa e Mauro Cid escancarou o absurdo:

Cid: “Braga Netto me entregou uma caixa de vinhos cheia de dinheiro.”
Advogado: “O senhor abriu a caixa?”
Cid: “Não, mas eu sabia que era dinheiro.”
Advogado: “Não abriu, mas sabia que era dinheiro e até o valor?”
Cid: “Sim, pelo peso sabia mais ou menos quanto tinha em espécie.”

A sequência é constrangedora. Uma acusação grave baseada no peso da caixa. Nenhuma prova, nenhum documento, nenhuma testemunha. Apenas a “sensação” de quem tenta sustentar uma delação improvável.

Esse tipo de relato desmoraliza não só a delação de Mauro Cid, mas toda a estrutura do processo que se apoia nela. Um delator que recua frente ao acusado e apresenta justificativas frágeis compromete qualquer denúncia que dependa de sua palavra.

Na segunda acareação, entre Anderson Torres e o general Freire Gomes, a fragilidade da acusação se repetiu sobre a chamada “minuta do golpe”, um texto genérico e sem assinatura que circulava livremente na internet. A defesa de Torres apresentou um laudo técnico demonstrando que o documento encontrado em sua casa era idêntico a versões públicas disponíveis no Google. Torres foi criminalizado por imprimir um PDF.

Mesmo assim, Freire Gomes afirmou que viu uma minuta parecida durante uma reunião com Bolsonaro  sem indicar data, local, testemunhas ou apresentar qualquer evidência. Mais uma vez, acusações sustentadas por lembranças vagas e versões contraditórias.

Mas talvez o aspecto mais grave dessas acareações tenha sido a forma como o ministro da alta corte conduziu as sessões. Sem transparência, sem gravações, sem imprensa  e testemunhas em confronto direto, tudo correu sob sigilo. A sociedade foi afastada do direito de acompanhar um processo com implicações políticas sérias.

A defesa de Braga Netto criticou, durante os interrogatórios, o comportamento do ministro como juiz da Suprema Corte, diante de uma investigação que pode afetar a democracia, a estabilidade institucional e o equilíbrio entre os Poderes.

O ex-senador e jurista Demóstenes Torres foi direto: tanto as acareações quanto a delação de Cid são, em suas palavras, “juridicamente irrelevantes”. Ele destacou que o Direito Penal não pode se basear em impressões, em PDFs soltos na internet, ou em memórias moldadas à conveniência do delator.

A prisão mantida de Braga Netto, a acusação contra Torres por posse de um documento genérico, e a tentativa de sustentar toda a denúncia nas palavras frágeis de um delator em silêncio, tudo isso desenha um processo em que a Justiça está sendo usada como ferramenta de combate político.

O golpe talvez não tenha partido dos quartéis ou do Planalto — mas esteja em curso dentro dos tribunais. Um golpe contra a presunção de inocência, contra o devido processo legal e contra os próprios limites constitucionais do Judiciário. O órgão máximo do judiciário, em vez de guardião da Constituição, parece assumir o papel de parte interessada.

As acareações do dia 24 não esclareceram nada. Ao contrário: expuseram a fraqueza das acusações, o desequilíbrio na condução do processo e a artificialidade das versões que tentam dar corpo a uma denúncia sem lastro. Se o objetivo era comprovar a tentativa de um golpe, o efeito foi o oposto e revelou um processo baseado em versões inconsistentes, delações desmoralizadas e silêncios comprometedores.

Carlos Arouck

Policial federal. É formado em Direito e Administração de Empresas.

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