Mochileiro fez as contas: é mais perigoso sair de dentro de casa do que escalar vulcão na Indonésia

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Nos últimos dias, muitos brasileiros se apressaram em julgar Juliana, a mochileira brasileira que perdeu a vida durante a subida do vulcão Rinjani, na Indonésia. A tragédia comoveu, e também escancarou um padrão cruel: a facilidade com que se aponta o dedo para quem vive fora da caixa. “Quem procura, acha.” “A culpa é dela.” “Sabia do risco.” Comentários assim se multiplicaram. Mas... será que essas pessoas sabem mesmo do que estão falando?

Sair de casa para ir ao mercado ou atravessar a rua pode ser mais letal do que escalar um vulcão ativo.

Vamos aos fatos

Em 2024, o Monte Rinjani recebeu cerca de 75 mil visitantes. Quantas mortes ocorreram nesse ano? Duas. Isso representa uma taxa baixíssima diante da quantidade de visitantes.

Vejamos os números: 

Ou seja, estatisticamente, sair na rua no Brasil é 11 vezes mais perigoso do que subir o vulcão Rinjani.

Nos Estados Unidos, sair na rua é 6 vezes mais arriscado, e na Europa cerca de 2 vezes mais perigoso. Não estamos contabilizando o número de acidentes domésticos ou acidentes de trabalho. E ainda nem falamos das doenças causadas pelo estresse, sedentarismo e falta de propósito, as outras “erupções silenciosas” que matam todo dia.

E não precisa fazer nada que você considere “arriscado” pra viver algo que foge da rotina; apenas caminhar pelas ruas de Bangkok à noite, ou ir ali no vizinho Uruguai, pode ser uma experiência transformadora.

Ah, mas viajar é muito caro

Quantas pessoas parcelam em 12 vezes um celular de 12 mil reais e nunca irão realizar o sonho de conhecer Paris? Com esse valor, é possível viajar para qualquer país do mundo e ficar pelo menos uma semana, sem luxo obviamente, mas com muita experiência e aprendizado. Nunca esqueço que uma vez um amigo me falou: quem vê tuas redes sociais pensa: “Viajou o mundo, é rico”. Obs.: Nunca tive um Iphone.

Minhas experiências pessoais pelo mundo

A primeira vez que saí do Brasil, tinha 17 anos e fui trabalhar em uma fazenda nos EUA durante um ano, eu queria aprender inglês e foi a melhor forma que encontrei. A segunda vez saí com apenas 400 dólares no bolso e fui trabalhar em um navio de cruzeiros, e depois em construção civil na Austrália, onde juntei uma boa grana para continuar viajando.

Dos 45 países que visitei, passando pelas Américas, Europa, Ásia, África e Oceania, cruzei fronteiras de trem, ônibus, carro e a pé, andei de bicicleta, a cavalo e de camelo.

Vi o pôr do sol em Petra na Jordânia, acampei no Grand Cânion, andei de balão na Capadócia e visitei o túmulo onde Jesus foi sepultado em Jerusalém. Conheci pessoas incríveis nessas viagens, de diversos países e culturas, com as quais algumas mantenho amizade até hoje.

Minha primeira tentativa de subir um vulcão, foi o El Misti com 5.822 m de altitude, no Peru, mas não consegui chegar ao topo por falta de fôlego e cansaço físico.

Mesmo assim, não faltou vontade. Anos depois subi o vulcão Villarica no Chile.

O que leva uma pessoa a querer subir num vulcão?

Confesso que fiquei surpreso quando li inúmeras pessoas perguntando nas redes... o que leva uma pessoa a querer subir num vulcão? Entendo que a maioria não sabe que milhares de pessoas fazem esse tipo de turismo todos os anos, e que é uma atividade normal, embora não tanto divulgada, pois pensam que está cheio de lava lá na cratera que pode entrar em erupção a qualquer momento, mas a primeira coisa que pensei quando li essa pergunta, foram essas imagens.

Subir um vulcão é mais que uma aventura física

Subir um vulcão não é apenas escalar uma montanha. É escalar a si mesmo. É deixar para trás o peso da rotina, das preocupações e das opiniões alheias.

A cada passo em todas essas aventuras, aprendi que o mundo é muito maior que os muros que nos cercam, sejam eles de concreto ou construídos pelo medo do desconhecido.

Por isso, me chamou a atenção um comentário que li ontem sobre o assunto, que dizia:

“Nos últimos cinco anos, houve 180 acidentes com 8 mortes nesse vulcão. Mesmo sabendo que é perigoso, por que as pessoas continuam se arriscando?”

Respondo a pergunta no mesmo tom:

“Nos últimos cinco anos, houve mais de 25 mil mortes por afogamento no Brasil. Mesmo sabendo que é perigoso entrar no mar, rios, lagos e piscinas, por que as pessoas continuam se arriscando?

Acidentes podem acontecer em qualquer hora e lugar. O perigo não está apenas em trilhas remotas ou cumes vulcânicos. Viajar, explorar o mundo e sair da zona de conforto pode parecer arriscado, mas permanecer imóvel, por medo, pode ser mais arriscado do que seguir em frente e ir atrás dos seus sonhos.

Texto de Ruy Nascimento. Siga-o no Instagram: https://www.instagram.com/roy_nascimento_/

da Redação