
Os mestres do tapume: A "Teoria das 3 Ondas" de Luis Roberto Barroso
10/07/2025 às 08:33 Ler na área do assinante
“Sempre que o governo assume que nos livra do problema de pensar por nós mesmos, as únicas consequências que produz são as de torpor e imbecilidade”. (William Godwin - (1756 - 1836) - Jornalista inglês, filósofo político e romancista).
Barroso é o Dr. Pangloss do livro de Voltaire, “Candido ou o Otimismo”.
No grande festival de “ideias internacionais” sobre o Brasil, chamado de “Gilmarpalooza”, capitaneado por Gilmar, ministro do supremo, realizado em Portugal todos os anos, os participantes (as mentes mais iluminadas da nação, segundo eles) discutem o Brasil, mas nunca chegaram a qualquer conclusão ou aplicação prática, a não ser a de passear pela Europa, participar de grandes banquetes e discursar jogando confetes em suas realizações, além de expor ideias excêntricas.
A estrela do festival foi Barroso que explanou a “Teoria das 3 ondas”. Uma análise profunda, segundo o autor, sobre o mundo moderno que utiliza a Internet irresponsavelmente e todos precisam ser censurados. Disse ele:
- “Três ondas que não são muito boas, nem para o espírito, nem para a causa da humanidade”.
Barroso explicou que as três ondas são “de negatividade”, de “polarização radical” e de “perda da civilidade”.
Eis a primeira onda:
- “Ninguém enxerga nada de bom em coisa nenhuma. Aumentou o PIB? Temos uma crise fiscal. Subimos cinco casas no IDH? Temos uma crise fiscal. Estamos na menor taxa de desemprego da história? Temos uma crise fiscal. Temos a população, hoje, mais da metade em classe média? Temos uma crise fiscal. Temos uma crise fiscal, precisamos cuidar dela, mas é preciso não fechar os olhos para as coisas boas que acontecem.”
Notem que Barroso em sua “teoria inédita”, quer que todos sejam positivos. Ninguém deve ver coisas negativas nas roubalheiras do INSS, nas mentiras do presidente, nos atos inconstitucionais do Supremo, no comportamento dos ministros ou nas crises intermináveis do governo atual. Sim, somente coisas positivas, coisas boas. O melhor dos mundos possíveis.
A obra prima de Voltaire, “Candido ou o Otimismo”, foi escrita em 1759. Nela encontramos as ideias de Barroso.
O livro relata as desgraças de Cândido (notem o nome do rapaz denotando pureza, ingenuidade). Ele mora no castelo do barão Thunder-ten-Tronckh localizado na Vestefália, na Alemanha. Foi adotado pelo barão e vive em um mundo cor-de-rosa, sem problemas. É um mundo edênico propiciada pela riqueza. Cândido vive como Barroso e todos os outros ministros do STF: em outro mundo.
Nesse mundo perfeito ele recebe os ensinamentos do filósofo Dr. Pangloss, que ensina “metafísica-teologia-cosmolonigologia” e que professava, como Leibniz, que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Mas, Cândido, em sua ingenuidade, sente desejos e se apaixona por Cunegundes, filha do barão. Flagrado aos beijos com sua amada Cunegundes, ele é expulso do castelo. Cândido então descobre que o mundo fora do castelo não é cor-de-rosa, mas cruel e decepcionante.
A segunda onda, da “polarização radical” de Barroso, foi explicada assim:
- “Ideias divergentes sempre existiram, e sempre existirão, e é bom que seja assim. Bastar a si mesmo é a melhor solidão, escreveu Vinícius de Moraes. Porém, o que existe de grave é a perda do senso comum. A radicalização impede que as pessoas concordem até naquilo que é natural e óbvio.”
Barroso, em sua segunda onda, continua com as ideias do Dr. Pangloss, aquela de que vivemos no melhor dos mundos possíveis. As pessoas devem concordar com tudo, se não fizerem isso serão chamadas de radicais. E se insistirem em suas ideias, obstinarem, discordarem, continuarem com suas ideias, elas perdem o senso comum.
Enquanto isso, Cândido, expulso do castelo, vaga sem rumo e é solicitado a se juntar ao exército búlgaro. Ele tenta escapar e é açoitado por deserção. Os búlgaros e os árabes estão em guerra. Cândido se esconde durante a batalha e depois foge. Desamparado e faminto, ele é obrigado a implorar por sua comida. Arranja um amigo, Jacques, que como bom anabatista, alimenta-o, dá-lhe alojamento.
Em suas andanças pelo mundo perfeito que agora lhe parece completamente injusto, Cândido reencontra Pangloss, que está com sífilis. Ele conta a Cândido que Cunegundes foi estuprada. Jacques paga pela cura de Pangloss. Os três partem para Lisboa. E nesse melhor dos mundos possíveis, Jacques cai no mar durante a viagem. Pangloss impede Cândido de resgatar Jacques, argumentando que é a vontade de Deus que ele se afogue.
Barroso explica a terceira e última onda, a “perda da civilidade”:
- “A terceira onda negativa que existe no mundo é a da perda da civilidade, essa ideia de que quem pensa diferente de mim só pode ser um cretino completo a serviço de alguma causa obscura. A vida não é assim”.
Quem pensa diferente de Barroso é um cretino completo. Segundo Barroso, “a vida não é assim”. Todos deveriam pensar igual a ele e quando não pensam igual perdem a civilidade. Deixam de viver no melhor dos mundos possíveis, isto é, se tá ruim, tá bom, é assim que todos devem pensar.
Volto a Cândido, que expulso do castelo onde vivia no melhor dos mundos possíveis, desembarca em Lisboa. A cidade se recupera de um formidável terremoto que havia destruído três quartos da urbe. “Os sábios do país não haviam encontrado nenhum meio mais eficaz de prevenir a ruína total da cidade do que dar ao povo um belo auto de fé. Foi decidido pela Universidade de Coimbra que o espetáculo de queimar algumas pessoas em fogo baixo, durante uma grande cerimônia, era o segredo infalível para impedir que a terra tremesse. Pangloss e Cândido são presos pela Inquisição constituída por homens ajuizados. Cândido foi açoitado, dois homens foram queimados e Pangloss, enforcado. Tudo isso para que a terra não tremesse mais.
E, no mesmo dia, a terra voltou a tremer, provocando um ruído estrondoso”.
Cândido, aterrorizado, imóvel, desesperado, todo ensanguentado, todo palpitante, dizia a si mesmo:
- “Se este é o melhor dos mundos possíveis, como serão os outros? Se eu tivesse sido apenas surrado entre os búlgaros, ainda vá lá, mas, ó meu caro Pangloss, o maior dos filósofos, eu tinha que ver você ser enforcado sem nem saber por quê? Ó meu caro anabatista, o melhor dos homens, o senhor precisava se afogar no porto? E tu, ó Cunegundes, a pérola das moças, a senhorita precisava ter sido estripada?” (Contos e Novelas – Voltaire – pág. 225 – Edições de Ouro).
Uma velha ajuda Cândido a encontrar Cunegundes, que sobreviveu ao estupro. Cunegundes conta a Cândido sua terrível história e como ela, agora, pertence a Dom Issacar e ao Grande Inquisidor. Cândido mata Dom Issacar e o Grande Inquisidor para vingar Cunegundes, depois de um grande nevoeiro em Portugal.
O que foi descrito nesse texto é um pequeno resumo dos 6 capítulos iniciais da obra. Ainda faltam 23 capítulos para que a saga de Cândido termine. Paro por aqui, pois você já percebeu que o mundo real vivido por Cândido, na obra de Voltaire, é cheio de homens imperfeitos, religiosos, falsos sábios, fanáticos, alguns pregam a liberdade política, outros a tirania, uns possuem conhecimento, outros confundem conhecimento com obscurantismo, uns querem a felicidade, outros são fatalistas, alguns querem a liberdade e outros querem a escravidão.
O mundo real é completamente diferente do mundo de Barroso com suas 3 ondas e do Dr. Pangloss divulgando o melhor dos mundos.
Barroso é Pangloss e Pangloss é o divulgador da ideias de Leibniz, sobre a perfeição do mundo.
Assim, nada é imperfeito, pois um ser perfeito não poderia criar nada imperfeito. Nesse tipo de raciocínio as desgraças são perfeitas, os roubos são perfeitos, as mentiras são perfeitas, o assassinato do corpo e das mentes dos homens inocentes é perfeito.
Mesmo que você reclame, tudo é perfeito. Este é o melhor de todos os mundos.
Pangloss, divulgando a teoria de Leibniz, tinha um objetivo: que todos acreditassem em um mundo perfeito onde moram homens imperfeitos. Mesmo o mundo sendo imperfeito e cheio de maldades.
Barroso, divulgando a “teoria das 3 ondas”, afirmou que “é impossível alguém discordar desses consensos a que nós chegamos”, também tem um objetivo: levar o Supremo a ampliar o controle sobre as redes sociais. Calar as massas descontente. Silenciar todos aqueles que não concordam com suas ideias. Emudecer todos aqueles que criticam os malfeitos dos dirigentes da nação.
Barroso é o mestre do tapume da Terra dos Papagaios. Ele discursa para criar barreiras e leis que são prerrogativas do Congresso. Delimita a área em que todos podem atuar. O mestre do tapume e seus coleguinhas afirmam que essas barreiras são para proteger o público. Para o bem da maioria. Barroso oferece segurança a todos, impedindo o acesso aos que não estão autorizados. Seu discurso é censura pura, ao afirmar:
- “É impossível alguém discordar desses consensos a que nós chegamos”.
Criar leis não é atribuição de qualquer ministro do supremo, além de tudo mentiu, pois três de seus colegas votaram contra a decisão de derrubar parcialmente o artigo 19 do Marco Civil da Internet, discordando de seus argumentos.
Os mestres do tapume acastelados no STF querem apenas ampliar seus poderes e tentam engabelar o povo com belos discursos que não suportam meio minuto de refutação.
Mas o povo começa a acordar e olha pelas frestas do tapume.
Eis como o povo vê o judiciário brasileiro, em pesquisa publicada nos principais jornais do país, neste 09/07/2025:
- “Brasil vive crise democrática por ameaça do Judiciário e do governo, aponta maioria em pesquisa”. (Gazeta do Povo – por Guilherme Grandi).
- “O Poder Judiciário é a maior ameaça para a democracia brasileira, segundo 42,8% dos ouvidos por pesquisa AtlasIntel/Bloomberg”. (Revista Crusoé).
- “Judiciário é a principal ameaça à democracia, diz pesquisa. (Pleno.news).
- “Levantamento aponta Judiciário como principal ameaça à democracia”. (GZH - Vítor Netto)
Ao final do livro Voltaire, deixa um conselho enigmático:
- “Todos esses acontecimentos - dizia à vezes Pangloss a Cândido – estão devidamente encadeados no melhor dos mundos possíveis; pois, afinal, se você não tivesse sido expulso de um lindo castelo a pontapés no traseiro, por amor à Srta. Cunegundes, se a Inquisição não te houvesse apanhado, se não tivesses percorrido a América a pé, se não tivesses mergulhado a espada no barão, se não tivesses perdido todos os teus carneiros na boa terra do Eldorado, não estarias aqui agora comendo doce de cidra e pistache.
- Tudo está muito bem dito - respondeu Cândido -, mas devemos cultivar o nosso jardim”.
Carlos Sampaio
Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)