
Moraes e o perigo inquietante de um Judiciário submisso
06/08/2025 às 17:30 Ler na área do assinante
A história oferece lições incômodas, mas necessárias. Uma delas é o alerta constante sobre o papel do Judiciário em tempos de crise institucional. O juiz que abandona a imparcialidade para servir a um projeto de poder deixa de ser guardião da justiça e se torna um instrumento de repressão. Essa constatação permite um paralelo inquietante entre duas figuras separadas por quase um século: Roland Freisler, juiz da Suprema Corte nazista, e Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro.
Apesar das diferenças óbvias de contexto, uma ditadura totalitária versus uma democracia formal (em desconstrução), há elementos que merecem reflexão à luz do avanço do autoritarismo judicial e da politização da Justiça no Brasil atual.
A Justiça como arma política utilizada por Freisler, presidente do Volksgerichtshof (Tribunal do Povo), usava a toga não como símbolo de equilíbrio, mas como ferramenta de vingança do regime nazista contra seus opositores. Julgamentos sumários, humilhações públicas, gritos no tribunal e sentenças de morte eram sua marca registrada. Servia a Hitler, não à Constituição. A Justiça era um braço do terror.
De modo preocupante, Alexandre de Moraes tem acumulado poder dentro do STF de maneira semelhante, não pelos gritos, mas pelo silêncio que impõe, principalmente entre seus pares. Conduz inquéritos que ele mesmo relata, investiga, julga e executa. Críticos apontam que sua atuação beneficia sistematicamente os interesses do governo de Lula e do Partido dos Trabalhadores, inclusive com medidas de censura prévia, bloqueio de redes sociais, suspensão de mandatos parlamentares e perseguição judicial a jornalistas e influenciadores.
Roland Freisler interpretava a lei segundo as diretrizes do Partido Nazista. A Constituição de Weimar era ignorada. No Brasil de hoje, decisões monocráticas e inquéritos sigilosos frequentemente atropelam garantias constitucionais, como o contraditório, o devido processo legal e a liberdade de expressão, tudo em nome da “defesa da democracia”. Um paradoxo: usar métodos autoritários para proteger uma democracia.
Sob o pretexto de combater fake news e atos antidemocráticos, Moraes já impôs censura direta a veículos de imprensa, prendeu manifestantes sem julgamento célere e cerceou o debate público com base em conceitos jurídicos vagos. A subserviência política, neste caso, não é formalizada, mas se manifesta nas consequências práticas, blindando aliados e reprimindo opositores.
Na Alemanha nazista, bastava uma suspeita para ser julgado por Freisler e condenado à morte. O medo silenciava até os mais corajosos. No Brasil de hoje, a autocensura se espalha. Parlamentares da oposição medem palavras. Jornalistas independentes evitam nomes. Cidadãos comuns apagam postagens. Ninguém quer ser o próximo alvo de um mandado judicial inesperado, de um bloqueio de contas ou de uma intimação baseada em “atos antidemocráticos”.
Esse clima de intimidação é incompatível com um regime verdadeiramente democrático. O Judiciário deveria ser o último bastião contra o abuso de poder e não seu principal agente.
Não se trata de igualar Alexandre de Moraes a Roland Freisler em crueldade ou contexto, mas de reconhecer semelhanças de método, como por exemplo, a substituição da imparcialidade judicial pela conveniência política. O precedente é perigoso. Quando um juiz se sente acima das leis que deveria aplicar, tudo se torna justificável em nome do “bem maior”.
Freisler morreu sob os escombros de um tribunal nazista bombardeado pelos Aliados. Moraes, por sua vez, ainda goza de prestígio institucional e respaldo midiático. Mas a história é implacável com os que usam a toga para servir ao poder. O juiz que abandona a Constituição para agradar a um partido, ou a uma ideologia, perde sua autoridade moral e, cedo ou tarde, a própria legitimidade.
Henrique Alves da Rocha
Coronel da Polícia Militar do Estado de Sergipe.