Congresso finalmente vai debater o novo esquema de tributação cripto

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O mês de junho marcou o pontapé da Medida Provisória 1.303/2025, assinada por Lula para fincar uma alíquota única de 17,5% sobre qualquer ganho com ativos virtuais. O texto subiu de patamar em 26 de julho, quando ganhou urgência constitucional. Nenhuma outra pauta pode ir a voto enquanto não se decidir seu destino.

Já existe data para a primeira audiência pública, 6 de agosto, às 14h30, e prazo fatal de 8 de outubro. Se não houver aprovação, a MP caduca e todo o esforço fiscal evapora. O mercado reagiu antes mesmo de a campainha tocar em Brasília.

Fim da faixa de isenção e cerco ao DeFi

Até então, quem vendia até R$ 35 mil em cripto por mês escapava do Imposto de Renda. A MP rasgou essa barreira. Em vez da antiga tabela progressiva de 15% a 22,5%, aplica‑se um único corte de 17,5%, cobrado por DARF, inclusive sobre staking, lending e swaps em protocolos DeFi.

O artigo 5º do texto, publicado no Diário Oficial, é explícito ao falar sobre retenção na fonte na mesma alíquota sempre que o rendimento for percebido pelo titular. Para custodiar as informações, a Receita poderá exigir que exchanges nacionais retenham o IRRF, mecanismo que deve empurrar pequenos investidores para plataformas fora do país.

O alcance vai além do investidor pessoa física e das corretoras de criptomoedas nacionais e internacionais. Fundos de investimento em cripto e ETFs listados na B3 passaram a compor a mesma base de incidência.

O Ministério da Fazenda estima arrecadar R$ 20,6 bilhões adicionais em 2026 com a unificação, mas associações do setor alertam que a fuga de capital pode anular parte dessa projeção.

Disputa política, insegurança jurídica e risco de caducidade

Embora a Comissão Mista seja presidida por Renan Calheiros (MDB‑AL) e relatada por Carlos Zarattini (PT‑SP), o clima está longe de pacífico. Deputados da Frente Digital pedem a revogação da MP. Eles alegam violação do princípio da capacidade contributiva e possível bitributação em operações on‑chain.

A bancada liberal quer reabrir a faixa de isenção, enquanto governistas dizem não haver espaço fiscal para concessões. Se o impasse persistir até a segunda quinzena de setembro, cresce a chance de caducidade, o que deixaria no limbo 6,5 milhões de brasileiros que hoje mantêm posição ativa em cripto, segundo a Anbima.

A incerteza já se reflete nos números. Analistas atribuem o recuo à expectativa de aumento de custo tributário e ao receio de retroatividade, ainda que o texto só produza efeitos plenos em 1º de janeiro de 2026.

Mesmo assim, a MP reforçou o discurso de quem vê na sólida adoção doméstica, o Brasil já é o décimo maior mercado, uma justificativa para um modelo fiscal menos punitivo e mais escalonado. Dentro do Congresso, o governo cogita negociar uma saída intermediária.

Manter a alíquota única, mas reintroduzir a isenção parcial para vendas mensais modestas, condicionada a declaração automatizada via API da Receita. O detalhamento deve surgir após a audiência de 6 de agosto.

Estratégias de mitigação e efeitos no mercado doméstico

A diversificação geográfica não é a única válvula de escape analisada por investidores. Quem opera staking líquido em protocolos como Lido ou em pools de liquidez descentralizados estuda converter recompensas em stablecoins logo após o recebimento, travando o câmbio em torno de R$ 5,57 por dólar.

A manobra reduz a exposição à volatilidade do BTC, que oscilou entre R$ 653 mil e R$ 667 mil nos últimos sete dias, e simplifica o cálculo de ganho de capital, já que stablecoins tendem a variar menos de 1% dia a dia. Outra frente envolve tokenização de renda fixa.

Start‑ups de contabilidade digital estimam que aplicações em recebíveis tokenizados pagarão tributo apenas na liquidação, como debêntures tradicionais. Esse diferimento interessa a quem pretende carregar posição até 2026, ano em que o governo projeta levantar R$ 20,6 bilhões extras com o novo modelo.

Esse montante pode minguar se o Congresso recolocar uma faixa de isenção ou adotar alíquotas progressivas para volumes abaixo de R$ 20 mil mensais. No curto prazo, os números confirmam o efeito‑manada.

Se a MP escapar da caducidade sem emendas, analistas estimam um recuo adicional na liquidez spot, empurrando parte dos trades para fóruns P2P que, embora mantenham obrigação de reporte, operam fora do radar imediato das plataformas regulamentadas.

Para quem prefere não migrar, a palavra de ordem é automação. Importar dados via API para softwares que geram DARFs, consolidar histórico de preço em reais e manter recibos de transação on‑chain, inclusive hashes, por cinco anos, lapso prescricional da Receita.