A conjuntura social e política brasileira

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O imediatismo dos políticos brasileiros é impressionante. O futuro para eles resume-se nas próximas eleições e, no máximo, para dois anos após, quando acontecerá outra eleição. Todos os programas governamentais vinculam-se às possibilidades de gerar recursos financeiros para a reeleição dos atuais “defensores do povo”. Educação, saúde, segurança e saneamento servem de temas para a confecção dos discursos a serem produzidos pelos marqueteiros, e nada mais.

A sociedade civil se esforça (inconscientemente) para criar espaços para o debate sobre políticas públicas. Entretanto, não consegue fazer a discussão avançar porque os interesses dos proprietários de escolas, universidades, hospitais, laboratórios e empresas de construção civil convencem os políticos que os melhores caminhos são os que levam ao lucro fácil. Os argumentos usados são imbatíveis: financiamento de campanhas e algumas “sobras”.

Os ciclos de desenvolvimento econômico-social podem ser divididos em 30 anos cada: de 1900 a 1930 – a República Velha, com o voto de cabresto, a herança escravocrata, as revoltas militares, a Coluna Prestes e a Revolução de 30; de 1930 a 1960 (de fato foi até 1964) – Era Vargas, com a revolução constitucionalista, a intentona comunista, o integralismo, a deposição de Vargas e o retorno de Getúlio pelo voto popular, a eleição de JK; de 1960 a 1990 (de fato foi até 1995) – o golpe de 1964, o bipartidarismo, o milagre econômico, as crises do petróleo, a anistia, o governo de José Sarney e a eleição de Fernando Collor; de 1990 a 2020 – o neoliberalismo comandado pelo PSDB, PT, PMDB, DEM, PSD e mais trinta facções partidárias, onde impera a corrupção generalizada; de 2020 a 2050 – só Deus sabe o que acontecerá.

Na eleição de 1945 os eleitores tiveram que escolher entre o marechal Eurico Gaspar Dutra (PSD/PTB), ex-ministro da Guerra (hoje Ministério do Exército) de Getúlio, que venceu o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), ex-militante do movimento tenentista na década de 20, e Yedo Fiúza (PCB), um comunista sonhador.

Em 1950 Getúlio Vargas (PTB/PSP) venceu Eduardo Gomes (UDN), segundo colocado, e Cristiano Machado (PSD), o “lanterninha” que foi abandonado por seus correligionários sedentos pelos cargos prometidos por Getúlio. Houve uma disputa ideológica muito forte entre o trabalhismo getulista e a extrema direita anticomunista liderada pela Igreja Católica e pela Escola Superior de Guerra.

Em 1955 Juscelino Kubitschek (PSD), com o apoio dos getulistas, venceu o general Juarez Távora (UDN), que havia participado do movimento tenentista e da Coluna Prestes na década de 20. Adhemar de Barros (PSP), um líder paulista, ficou em terceiro, e Plinio Salgado (PRP), líder integralista (uma espécie de nazi fascismo tupiniquim) ficou em quarto. Houve uma acirrada e inconsequente disputa ideológica.

Em 1960 o embate foi entre o demagogo Jânio da Silva Quadros (PTN), com o apoio da UDN, que prometia “varrer a bandalheira”, e o legalista marechal Henrique Teixeira Lott (PSD), ex-ministro da Guerra de JK. Venceu o primeiro, que renunciou sete meses após, dando condições para o golpe de 1964, que depôs João Goulart, com a consequente exclusão do povo na escolha de seus dirigentes.

Em 1989 houve uma “guerra ideológica” vencida pelo “caçador de marajás” Fernando Collor de Mello (PRN). Os perdedores foram o torneiro-mecânico Lula da Silva (PT), o getulista Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB) e Paulo Maluf (PDS). Collor foi defenestrado do poder, abrindo caminho para a ascensão de FHC.

O sociólogo e professor da USP Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1994, venceu o sindicalista Lula da Silva (PT). A campanha destacava a diferença acadêmica e cultural dos principais concorrentes. Quatro anos depois, novamente FHC (PSDB/PFL/PMDB) derrotou Lula (PT) e Ciro Gomes (PPS).

Na eleição de 2002, no primeiro turno, concorreram seis candidatos: Lula da Silva (PT), José Maria de Almeida (PSTU), Ciro Gomes (PPS), Rui Costa Pimenta (PCO), Antony Garotinho (PSB) e José Serra (PSDB). No segundo turno Lula venceu José Serra, fato inesperado para a classe dominante.

Em 2006 oito candidatos concorreram no primeiro turno: Cristovam Buarque (PDT), Lula da Silva (PT/PRB), Luciano Bivar (PSL), José Maria Eymael (PSDC), Ruy Costa Pimenta (PCO), Ana Maria Rangel (PRP), Geraldo Alkmin (PSDB/PFL) e Heloisa Helena (PSOL). Lula venceu Alkmin no segundo turno.

Em 2010 nove candidatos concorreram: Dilma Rousseff (PT/PMDB), José Serra (PSDB/DEM), Marina Silva (PV), Plinio de Arruda Sampaio (PSOL), José Maria Eymael (PSDC), José Maria de Almeida (PSTU), Levy Fidélis (PRTB), Ivan Pinheiro (PCB) e Rui C. Pimenta (PCO). Dilma venceu José Serra no segundo turno.

Em 2014 concorreram 10 candidatos no primeiro turno: Dilma Rousseff (PT/PMD), José Maria de Almeida (PSTU), Pastor Everaldo (PSC), Mauro Iasi (PCB), José Maria Eymael (PSDC), Levy Fidélis (PRTB), Rui C. Pimenta (PCO), Marina Silva (PSB/PPS), Eduardo Jorge (PV), Aécio Neves (PSDB). Dilma venceu Aécio no segundo turno.

Hoje a escolha é da Câmara dos deputados que vacila entre a permanência de Michel Temer ou sua substituição por Rodrigo Maia. Qual a pior? Essa decisão, entretanto, não é do povo brasileiro. Será uma escolha dos deputados federais (que vendem caro seus votos), sem levar em consideração o que os “pagadores de impostos” pensam. Ambos os disputantes são “farinha do mesmo saco”, como diriam os antigos eleitores. A única diferença entre eles, hoje, é que um é velho e o outro menos velho, apesar de ambos estarem contaminados com as mesmas ideias e comportamentos.

Nessa longa trajetória eleitoral existia, de certa forma, a ingênua expectativa (de alguns sonhadores) de que alguma mudança aconteceria após os demagógicos debates que se diziam “ideológicos”. Para 2018 os brasileiros só esperam que a corrupção diminua um pouco (um pouquinho ao menos), isto porque as facções partidárias estão contaminadas. A ideologia de “tirar vantagens a qualquer custo” é predominante.

A atual conjuntura nacional (conjunção de todos os elementos que determinam a situação econômica-social-política-cultural de determinado país, em um dado momento), é muito triste, desoladora mesmo. Constata-se que a corrupção generalizada domina, ao lado de uma descarada impunidade seletiva; a educação aparece como sendo a quarta prioridade no atendimento de “despesa finalística”, atrás dos juros e encargos da dívida pública, do atendimento dos interesses eleitorais das facções partidárias, e da chamada previdência.

O ensino público recebe em torno de 5% da renda nacional apesar de a meta fixada em lei ser 10% do PIB. E, além disso, os recursos são mal distribuídos, em se comparando com os países desenvolvidos. O gasto médio anual por estudante, no Brasil, é de US$ 5.600, enquanto que nos países da OCDE é de US$ 10.800; aqui o nível fundamental recebe US$ 3.800 enquanto que lá chega a US$ 8.700 per capita. A prioridade interna é invertida e as universidades públicas foram vergonhosamente sucateadas e abandonadas, enquanto as famigeradas cotas raciais exterminam a meritocracia.

O MEC foi entregue ao DEM (que já foi ARENA, PDS e PFL) do populista ex-deputado Mendonça Filho, de Pernambuco, em troca de irrestrito apoio no Congresso Nacional. A burocracia inconsequente e o empreguismo irresponsável esterilizam as boas intenções dos bons técnicos em educação que restaram.

No que diz respeito à pesquisa, ciência e tecnologia o quadro institucional é assustador, isto porque o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, entregue ao PSD do ex-deputado paulista Gilberto Kassab. Além do mais, nos últimos três anos teve uma redução orçamentária de 70% (só no exercício de 2017 o corte foi de 42%), enquanto no resto do mundo civilizado investe-se pesado nessa área fundamental ao desenvolvimento.

Uma pesquisa do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, mostra que os 17 Laboratórios do Departamento de Energia dos EUA receberam uma dotação orçamentária operacional de aproximadamente US$ 14 bilhões, e contam com um total de 57.600 empregados em tempo integral. O Brasil, em contrapartida, possui quatro Laboratórios Nacionais semelhantes aos norte-americanos, com um total de 600 funcionários e um orçamento de R$ 90 milhões.

O corte de 44% nos orçamentos das instituições que desenvolvem pesquisas científicas, praticamente fechando-as, é outro exemplo. Algumas, como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Laboratório Nacional de Computação Científica, o Laboratório Nacional de Astrofísica, o Museu Emílio Goeldi, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Instituto Nacional da Amazônia e o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste foram, operacionalmente, inviabilizados. O ministro do MCTIC não reclama.

A saúde é um verdadeiro caos operacional e a segurança pública é uma calamidade (vive-se uma verdadeira guerra civil na ex-Cidade Maravilhosa, onde as Forças Armadas atuam como forças auxiliares da policia estadual). Enquanto isso, os políticos se locupletam nos cofres da República e o povo a tudo assiste estarrecido, mas nada faz. A infraestrutura de transporte e de saneamento básico foi destruída.

As universidades públicas, além do vergonhoso sucateamento e dos tradicionais cortes orçamentários, enfrentam três graves problemas. Primeiro, a isonomia salarial sem qualquer tipo de avaliação de produtividade docente; depois, o teto salarial que leva à perda dos melhores cientistas e pesquisadores; finalmente, as famigeradas cotas raciais e sociais exterminando a meritocracia. Qualquer educador, por mais medíocre que seja, sabe que para promover a equidade educacional e social é preciso atuar no nível da pré-escola e do ensino fundamental antes de mexer no terceiro grau de forma estabanada.

Em 2009 as coisas pareciam tomar rumos modernizantes com a Emenda Constitucional 59/09, quando o Plano Nacional de Educação passou de uma disposição transitória da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) para uma exigência constitucional com periodicidade decenal. Os planos plurianuais deveriam tomar o PNE como referência, uma vez que o Sistema Nacional de Educação levaria em consideração um percentual do PIB para o seu financiamento. Os planos estaduais, distrital e municipais deveriam ser construídos em consonância com essas diretrizes. Em 2014, pela Lei nº 13.005, foram contextualizadas 20 Metas para o PNE, mostrando suas inter-relações com as demais políticas públicas nacionais. Essas metas foram esquecidas porque os recursos destinados à educação, pesquisa, ciência e tecnologia foram contingenciados para dar suporte aos “fundos eleitorais”.

Confúcio esclarece que: “Se queres conhecer o passado, examina o presente que é o resultado; se queres conhecer o futuro, examina o presente que é a causa”. Se Confúcio estiver certo, o futuro do Brasil não é nada promissor.

Foto de Landes Pereira

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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