A reconfiguração do poder político... na era digital. Democratização da Narrativa e o surgimento do Conservadorismo popular
09/09/2025 às 14:20 Ler na área do assinanteUMA REFLEXÃO NECESSÁRIA...
É comum que as grandes mudanças civilizatórias, por serem gradativas e interconectadas, passem desapercebidas para a maioria das pessoas, o que inclui também os “agentes políticos e econômicos”.
Essa constatação é particularmente notável e aplicável a última década do ponto de vista político, econômico e, sobretudo cultural...e não me refiro apenas ao Brasil: estamos falando de um fenômeno global introduzido nas nossas vidas, sobretudo, pelo que podemos chamar de “Era Digital”, cujos primórdios remonta a década de 90, principalmente pela eclosão e propagação da chamada Rede Mundial.
Até aqui, nada de novo. Mas vamos analisar os desdobramentos de uma forma serena, sem paixões e à luz de fatos e, porque não dizer: tendências.
Não podemos deixar, dado o impacto dessa realidade e os riscos que ela representa, que essa transição vertiginosa, seja contada por historiadores, num futuro em que os danos possam ter sido desastrosos para a humanidade.
Já que o jogo está sendo jogado e que todos nós somos os jogadores e temos o poder de mudar a realidade “para o bem ou para o mal”, temos um futuro nos pertence hoje:
SOMOS OS CONSTRUTORES DO FUTURO como nunca tivemos essa consciência.
Mas vamos fazer a leitura de como chegamos aqui em menos de 3 décadas, mas sobretudo na última década.
Uma década de profundas e aceleradas transformações
O século XXI testemunha uma das mais profundas transformações no exercício do poder político desde o advento da democracia moderna, nó século XVIII, principalmente com a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). A digitalização da comunicação não apenas alterou os meios pelos quais as sociedades se informam e debatem, mas fundamentalmente reestruturou as relações de poder, desafiando hegemonias estabelecidas e criando atores políticos. Este ensaio examina como a democratização da narrativa através das redes sociais catalisa o surgimento de movimentos conservadores populares, particularmente nos Estados Unidos e Brasil, e como essa dinâmica gera tensões institucionais que se manifestam através do ativismo judicial.
A hegemonia das narrativas tradicionais
O monopólio da comunicação de massa
Durante o século XX, o controle da narrativa política concentrava-se em um número limitado de instituições: grandes veículos de comunicação, universidades, produtoras culturais e partidos políticos estabelecidos. Esse ecossistema criava um filtro editorial que, intencionalmente, homogeneizava o discurso público em torno de certas premissas ideológicas.
No contexto brasileiro e americano, essa concentração permitia que determinadas correntes políticas - frequentemente identificadas com o espectro “progressista” - exercessem influência desproporcional sobre a formação da opinião pública. Os grandes conglomerados midiáticos, historicamente beneficiários do status quo regulatório e econômico, mantinham uma simbiose com elites políticas que garantia a perpetuação de narrativas favoráveis a seus interesses, que obviamente nada tinham a ver apenas com algum tipo de identidade ideológica.
Os mecanismos de dominação cultural
A hegemonia não se manifestava apenas no controle direto da informação, mas na capacidade de definir os termos do debate público. Através do que Antônio Gramsci (1891 – 1937, nascido na Itália e um dos fundadores do Partido Comunista Italiano), conceitualizou como dominação cultural, estabelecia-se um consenso sobre quais ideias eram "legítimas", "civilizadas" ou "progressistas", marginalizando perspectivas alternativas como "retrógradas" ou "extremistas": discurso que perdurou por décadas e, no Brasil, apesar de estar presentes nos anos 20 e 30, foram consolidadas nos anos 60/70 consolidando-se definitivamente nos anos 80.
Esse processo operava através de múltiplas camadas: a educação formal moldava gerações de cidadãos dentro de frameworks ideológicos específicos; a produção cultural - cinema, televisão, música, literatura - normalizava determinados valores e estigmatizava outros; e a cobertura jornalística enquadrava eventos políticos dentro de narrativas pré-estabelecidas.
A Revolução Digital: democratização da voz política
O fim do monopólio informacional
A emergência das redes sociais representou uma ruptura histórica comparável à invenção da imprensa, por Johannes Gutenberg em 1430. Pela primeira vez na história moderna, indivíduos comuns adquiriram a capacidade de comunicar-se diretamente com audiências massivas, contornando os filtros editoriais tradicionais.
Esta democratização da comunicação teve impactos políticos imediatos e profundos. Populações que tradicionalmente consumiam informação de forma passiva tornaram-se produtoras ativas de conteúdo político. Mais significativamente, grupos sociais anteriormente marginalizados do debate público - trabalhadores rurais, pequenos empresários, religiosos conservadores - encontraram plataformas para articular suas visões de mundo.
A emergência de lideranças alternativas
As redes sociais não apenas democratizaram a participação no debate, mas criaram tipos de lideranças políticas. Figuras como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil, exemplificam como políticos puderam construir bases de apoio massivas comunicando-se diretamente com o eleitorado, frequentemente em oposição às narrativas dos meios tradicionais.
Esses líderes desenvolveram uma retórica que ressoa com segmentos populacionais que se percebiam como negligenciados ou mesmo hostilizados pelas elites culturais e políticas estabelecidas. Sua ascensão representa não apenas uma mudança de pessoas no poder, mas uma alteração fundamental na natureza do discurso político legítimo.
O surgimento do Conservadorismo Popular
Valores tradicionais como Resistência Cultural
O movimento conservador contemporâneo (que acontece ao redor do Mundo), não pode ser compreendido meramente como reação política, mas como resistência cultural a décadas de transformações sociais aceleradas. Em sociedades onde as mudanças de valores ocorreram primariamente através de instituições culturais e educacionais, sem necessariamente refletir o consentimento popular, surge uma demanda por "retorno" a princípios considerados fundamentais.
O que também ocorre pelo impacto do Universo Digital sobre a própria Sociedade, como bem disseram estudiosos como Bauman; Lipovetsky e Han, apenas para citar três filósofos Contemporâneos, que fizeram uma leitura das profundas transformações pelas quais a Sociedade vem nas últimas três décadas, notadamente pelo impacto da “Sociedade Digital”.
Esses valores - centralidade da família tradicional, importância da religião, patriotismo, meritocracia, autoridade moral - não representam necessariamente novidades históricas, mas adquirem novo significado político quando articulados como alternativa consciente ao progressismo cultural dominante.
A politização da vida cotidiana
Um aspecto distintivo do conservadorismo popular atual é sua consciência de que a política transcende eleições e governos, permeando aspectos da vida cotidiana tradicionalmente considerados "apolíticos". Esta percepção leva à politização de questões como educação infantil, entretenimento, práticas comerciais e até mesmo escolhas de consumo.
Essa consciência cultural gera uma mobilização política mais ampla e sustentada do que movimentos conservadores anteriores, pois integra a ação política à preservação de um modo de vida percebido como ameaçado.
Tensões institucionais e Ativismo Judicial
A resistência do sistema estabelecido
A ascensão de movimentos conservadores populares inevitavelmente gera resistência das instituições que historicamente controlavam a narrativa política. Quando os mecanismos democráticos tradicionais - eleições - produzem resultados contrários aos interesses estabelecidos, observa-se uma crescente judicialização da política.
O Poder Judiciário, frequentemente formado e socializado dentro dos mesmos ambientes culturais que as elites progressistas, torna-se um instrumento de contenção das mudanças políticas democraticamente legitimadas. Este fenômeno manifesta-se através de decisões judiciais que limitam o escopo de ação de governos conservadores, frequentemente com base em interpretações constitucionais expansivas que privilegiam direitos abstratos sobre a vontade popular expressa eleitoralmente.
O paradoxo Democrático
Emerge assim um paradoxo fundamental: instituições formalmente democráticas sendo utilizadas para conter resultados democráticos. O ativismo judicial apresenta-se como defesa da "democracia" e dos "direitos fundamentais", mas funciona efetivamente como mecanismo de perpetuação do poder de grupos que perderam a legitimidade eleitoral.
Este processo é particularmente evidente no Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal assumiu papel político ativo, interferindo sistematicamente em decisões do Executivo e do Legislativo eleitos democraticamente. Nos Estados Unidos, observa-se dinâmica similar através de decisões de tribunais federais que bloqueiam políticas da administração Trump, frequentemente com base em interpretações judiciais questionáveis.
A irreversibilidade das transformações
Mudanças estruturais na comunicação
As transformações em curso possuem caráter estrutural que as torna irreversíveis. A democratização da comunicação através das redes sociais não pode ser simplesmente revertida sem custos políticos enormes para qualquer grupo que tentasse fazê-lo. Mesmo tentativas de censura ou regulação excessiva das plataformas digitais tendem a gerar reações populares que fortalecem os movimentos que se pretendia conter.
Além disso, a geração que cresceu com acesso direto a informações alternativas desenvolveu ceticismo permanente em relação às narrativas dos meios tradicionais. Este ceticismo não é facilmente reversível através de ajustes na comunicação ou na retórica progressista.
Institucionalização do Conservadorismo Popular
O conservadorismo popular contemporâneo diferencia-se de movimentos similares do passado por sua capacidade de institucionalização. Não se trata apenas de protestos ou manifestações episódicas, mas de movimentos que desenvolvem capacidades organizativas duradouras: Think tanks (“os especialistas”), meios de comunicação alternativos, redes de financiamento, e principalmente, quadros políticos profissionais.
Essa institucionalização garante que, mesmo em períodos de menor mobilização popular, as estruturas permanecem ativas, preparando-se para as próximas oportunidades eleitorais.
Desdobramentos futuros
Escalada do conflito institucional
A tendência observável indica escalada crescente do conflito entre legitimidade democrática e resistência institucional. Quanto mais os movimentos conservadores obtêm sucessos eleitorais, maior tende a ser a resistência através de mecanismos não-eleitorais, particularmente o ativismo judicial.
Esta dinâmica é insustentável a longo prazo, pois corrói a legitimidade das próprias instituições democráticas. Populações que percebem que seus votos são sistematicamente neutralizados por decisões judiciais tendem a desenvolver atitudes antiestablishment mais radicais.
Possíveis Cenários de resolução dos conflitos
O conflito atual pode resolver-se através de diferentes cenários:
Cenário 1 - Reforma institucional: Movimentos conservadores obtêm poder suficiente para reformar as instituições que resistem às mudanças democráticas, incluindo reformas do Poder Judiciário que limitem sua interferência política.
Cenário 2 - Acomodação progressiva: As elites estabelecidas gradualmente adaptam-se às novas realidades políticas, moderando suas posições e aceitando maior pluralidade no debate público.
Cenário 3 - Radicalização: O conflito institucional intensifica-se até o ponto de crise constitucional, com possíveis rupturas democráticas iniciadas por qualquer dos lados em conflito.
A considerar os desdobramentos do que estamos presenciando, no caso do Brasil, o cenário 3 é o que se apresenta de forma mais plausível e, nesse aspecto, podemos incorrer em desdobramentos que nos levem a uma situação em que TODOS PERDEM pois que uma “GUERRA POLÍTICA” sempre deixa sequelas nas instituições e na sociedade.
Conclusão face o cenário e seus desdobramentos possíveis
As transformações políticas contemporâneas representam mais do que alternância normal de poder em democracias estabelecidas. Trata-se de reconfiguração fundamental das bases de legitimidade política, onde a democratização da comunicação permite que segmentos populacionais anteriormente marginalizados desafiem hegemonias culturais e políticas de longa duração.
O surgimento de movimentos conservadores populares não constitui fenômeno reacionário temporário, mas resposta estrutural a décadas de dominação cultural progressista que operava sem consentimento popular explícito. A irreversibilidade dessas mudanças deriva tanto das alterações tecnológicas permanentes quanto da conscientização política de populações que descobriram sua capacidade de influenciar o debate público, o que deveria ser típico das Democracias.
O principal desafio para as democracias ocidentais reside na capacidade de suas instituições adaptarem-se a essa nova realidade sem recorrer a mecanismos autoritários de contenção do voto popular. A tentação do ativismo judicial como instrumento de resistência às mudanças democraticamente legitimadas representa grave risco para a estabilidade institucional de longo prazo.
A resolução construtiva deste conflito exigirá de todas as partes reconhecimento de que a democracia implica aceitar resultados eleitorais mesmo quando contrariam preferências ideológicas estabelecidas. Apenas através desse reconhecimento mútuo será possível preservar a legitimidade das instituições democráticas em um contexto de profunda reconfiguração do poder político.
O futuro das democracias ocidentais dependerá, em última análise, da capacidade de suas elites - tanto tradicionais quanto emergentes - de conduzirem essa transição dentro dos marcos constitucionais, evitando tanto a tirania das maiorias quanto a tirania das minorias institucionalizadas. O desafio é imenso, mas representa também oportunidade histórica de renovação e aprofundamento da experiência democrática que busca harmonizar opiniões contrárias pela sua materialização em eleições transparentes que transmitam a opinião da maioria e onde, as divergências, sejam oportunidades de depurar os interesses de todos e de cada um.
Este momento histórico nos oferece uma escolha: podemos conduzir essa transição civilizatória de forma construtiva, preservando o que há de melhor em nossas instituições enquanto as adaptamos às novas realidades, ou podemos permitir que o conflito se radicalize até o ponto de ruptura (mesmo que aparentemente isso já possa ter ocorrido).
A história julgará nossa geração pela sabedoria ou pela insensatez de nossas escolhas neste momento decisivo.
E VOCÊ:
Mesmo que indignado com o curso dos acontecimentos, deixando a emocionalidade de lado, em que ABORDAGEM APOSTARIA?
JMC Sanchez
Articulista, palestrante, fotografo e empresário.