
Decisões monocráticas sem limites... A Justiça de "várzea"
17/10/2025 às 13:23 Ler na área do assinante
No final do mês de setembro, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL 3.640/2023), de autoria do deputado Marcos Pereira, modificando as regras para o controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal-STF. O projeto impõe limites às decisões monocráticas dos ministros do STF e altera as condições para que os partidos políticos possam acionar a Corte. O projeto, que tramitou de forma conclusiva pelas comissões, seguirá diretamente para o Senado se não houver algum recurso. Nessa Casa, atualmente, o STF tem voz para propor alguma modificação. O texto aprovado teve origem no anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas criada pela Câmara em 2020, presidida pelo ministro Gilmar Mendes, decano do STF.
O relator do projeto, deputado Alex Manente, fez algumas modificações na versão original, entre as quais a determinação de que as medidas monocráticas (aquelas concedidas individualmente aos ministros), só poderão ocorrer em situações excepcionais, a exemplo de extrema urgência, perigo de lesão grave, excepcional interesse social e em período de recesso, além da análise do plenário na sessão seguinte, sob pena de nulidade.
Outra mudança significativa foi a restrição para a apresentação de ações de controle concentrado de constitucionalidade, como as ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), ADOs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão) e as ADCs (Ações Diretas Declaratórias de Constitucionalidade. Outra importante mudança declina as regras sobre as ações por omissão legislativa e sobre a modulação dos efeitos das decisões do Supremo. Entre os pontos incluídos estão a obrigatoriedade de julgamento conjunto das ADIs por omissão e os mandados de injunção que tratem do mesmo tema, além da previsão de que o STF só poderá fixar prazo, limitado a 30 dias, para edição de norma em casos envolvendo órgãos administrativos. Essa tentativa de modificação não é nova, pois o Senado aprovou, em 2023, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 8/2021) restringindo as decisões monocráticas dos ministros da Corte em casos de suspensão de leis ou atos do Executivo e do Congresso.
A PEC permanece parada na Câmara. Atualmente, os ministros, individualmente, podem conceder decisões liminares e suspender trechos de leis e normas que entendam violar a Constituição. O projeto aprovado continua permitindo essas decisões individuais sem vedações, mas exige que elas sejam submetidas ao plenário na sessão seguinte, sob pena de serem anuladas. Além disso, as decisões monocráticas tomadas em ações de controle concentrado deverão ser justificadas e terem como base a posição do plenário do STF sobre o tema.
As instituições que podem apresentar as chamadas ações de controle concentrado, como os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, permanecem, mas o projeto especifica que essa competência será exercida por legendas que alcançarem a cláusula de barreira, ou seja, os partidos que, nas eleições de 2026, obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo 2,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço dos estados da Federação com um mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada uma delas.
Nos demais países esse procedimento é diferente, mas, no Brasil, além de midiático, é complexo. Nos EUA, a Suprema Corte é também a última instância da Justiça, mas suas decisões são tomadas secretamente. Nem os assessores entram na sessão quando a Corte está julgando. Os juízes discutem até que se alcance a maioria, e o lado vencedor fica incumbido de redigir um voto único, ou seja, uma justificativa unificada para a decisão da Corte. Lá, como em algumas Supremas Cortes europeias, todas as sessões são fechadas, sem a espetacularização do nosso STF. Depois do julgamento se designa um relator para redigir o voto vencedor, cujo rascunho (minuta) é enviado aos demais juízes detalhando como cada aspecto da decisão será colocado em prática.
Lá predomina o recato, enquanto aqui os ministros se manifestam publicamente, dizendo até como vão votar. As decisões monocráticas do nosso Supremo significam, na prática, que foram proferidas pelo colegiado da Corte, tendo como único recurso cabível o agravo interno (agravo regimental) que será julgado pela turma, garantindo a colegialidade e a reavaliação da decisão monocrática. Esse recurso é previsto no art. 1.021 do Código de Processo Civil-CPC. No mais, só nos resta esperar que o que foi aprovado na CCJ da Câmara seja realmente um avanço. Vamos torcer.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário