O caso do Banco Master é o maior escândalo financeiro do Brasil pós Lava Jato e entra no modo “salve-se quem puder”
23/11/2025 às 06:45 Ler na área do assinanteA explosão do Master se deu em menos de um dia. Daniel Vorcaro, controlador da instituição e figura conhecida em eventos de luxo no Rio, tentou embarcar às pressas em um Falcon 7X no domingo à noite. O destino era Malta, onde costuma se refugiar. Foi detido pela Polícia Federal em Guarulhos com passagem só de ida. Os sócios Augusto Lima e Alberto Félix, responsáveis pela engenharia financeira que sustentava o esquema, foram presos em casa ao amanhecer. A Operação Compliance Zero apontou gestão fraudulenta, créditos fantasmas vendidos ao BRB, títulos sem lastro empurrados para fundos públicos, maquiagem contábil e um rombo que cresceu por meses enquanto o Banco Central não reagia.
O Banco de Brasília se tornou peça chave e ainda pouco discutida nesse caso. O BRB não só comprou carteiras de crédito podres do Master, como também manteve a instituição de pé nos meses anteriores à falência. Acolheu títulos sem lastro, aceitou operações nebulosas e deu liquidez artificial ao banco em um momento em que o mercado já se afastava de Vorcaro. Na prática, funcionou como uma espécie de socorro informal enquanto o Banco Central hesitava. O banco público assumiu riscos que nenhum banco privado aceitaria e prolongou a vida do Master, o que aumentou o rombo final de R$ 12 bilhões. O BRB virou destino cativo para papéis cada vez mais tóxicos, o que ajudou Vorcaro a preservar a aparência de solvência e seguir captando recursos de fundos públicos, inclusive do Rio.
O impacto mais pesado recai sobre o Rioprevidência. O fundo de servidores estaduais tinha quase R$ 1 bilhão em Letras Financeiras do Master, sem cobertura do FGC. É dinheiro que dificilmente será recuperado. A situação se agrava porque um quarto de todo o patrimônio do Rioprevidência estava concentrado nesses papéis, algo que nenhum gestor prudente aceitaria, ainda mais considerando os sinais de fragilidade que o banco exibia desde o fim de 2024. O TCE-RJ havia emitido alertas formais em outubro, classificando o Master como instituição em risco de falência. O governo de Cláudio Castro não tomou medidas e manteve o discurso de investimento seguro. Hoje, aposentados e servidores de diversas áreas encaram o futuro com insegurança.
A equipe econômica do estado autorizou aportes elevados no banco mesmo após alertas internos e externos sobre a deterioração acelerada da instituição. É o mesmo governo que atrasa o décimo terceiro, contingencia salários, mantém hospitais sem insumos e ainda assim expôs parte relevante das aposentadorias do estado a um banco já debilitado. Enquanto isso, Vorcaro circulava entre políticos, frequentava festas milionárias e mantinha um padrão de vida desconectado da situação real do Master.
O Banco Central monitorava o Master desde o primeiro semestre de 2025. Mesmo com sinais claros de fraude e deterioração, adotou uma postura branda. Autorizou a renovação de R$ 4 bilhões em linhas emergenciais com o FGC, supostamente para estabilizar a instituição. A ação firme só veio quando a PF já estava em campo e o jatinho de Vorcaro se preparava para decolar. Era tarde. O rombo estimado em R$ 6 bilhões em setembro havia dobrado. Fundos públicos estavam contaminados, o risco de efeito cascata sobre bancos médios cresceu e o FGC passou a preparar desembolsos recordes para proteger investidores menores. Fica a pergunta: quanto custa uma inspeção tardia? Aqui, bilhões.
O episódio acende alerta sobre o modelo de vários bancos médios brasileiros. A falência do Master deve provocar fuga de capital desse segmento, aumento da pressão regulatória, revisão das carteiras de fundos de pensão e mudança no apetite de risco no sistema financeiro.
No fim, sobra para o servidor do Rio. Depois de anos enfrentando calotes, congelamentos, atrasos e reformas que cortaram benefícios, agora veem seu fundo de previdência afundar em um esquema que envolveu banqueiros, operadores, políticos e omissão regulatória. A história se repete: quem dirige o esquema viaja de jatinho. Quem participa é preso, mas preserva patrimônio oculto. Quem fiscaliza, demora. Quem deveria proteger, vira cúmplice por inércia. E quem trabalha a vida inteira paga a conta.
Vorcaro está preso. Os sócios estão presos. O banco foi liquidado. O BRB virou alvo de auditorias e investigações. A conta, porém, não chegou em Malta. Chegou no contracheque do servidor fluminense. No Brasil essa conta não vem com desconto, vem integral.
Os banqueiros Daniel Vorcaro e Augusto Lima tinham relações nos Três Poderes e trânsito entre políticos de diferentes espectros. Vorcaro contratou o escritório de Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes. O ex-presidente Michel Temer, que indicou Moraes ao STF, trabalhou como consultor para o banqueiro. O próprio ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, integrou, após deixar o STF e antes de assumir o cargo no governo Lula, o comitê consultivo do banco controlado por Daniel Vorcaro.
No meio político, Vorcaro tinha acesso a figuras de destaque, como o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, e o líder do PP, Ciro Nogueira. Augusto Lima mantinha ligação com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner. Foi na Bahia que surgiu o Credcesta, cartão de crédito consignado que se tornou a principal fonte de receita do Master.
Apesar das conexões, a operação deflagrada nesta terça não surpreendeu Brasília. Já se esperava a queda de Vorcaro. Agora prevalece o clima de operação “salve-se quem puder".
Carlos Arouck
Policial federal. É formado em Direito e Administração de Empresas.