
A transferência de prisão de Bolsonaro acende um sinal de alerta institucional
23/11/2025 às 09:04 Ler na área do assinante
A transferência de prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro abriu uma nova crise política e jurídica no país. Embora formalmente tratada como uma alteração de regime já determinado, a decisão reacendeu debates sobre garantias fundamentais, imparcialidade judicial e o uso do Direito Penal como instrumento de poder.
Entre juristas garantistas e especialistas em processo penal, a avaliação é quase unânime: o caso expõe riscos de violação de princípios constitucionais, especialmente quando a medida não se ancora em fatos novos, provas objetivas ou condutas específicas atribuídas ao investigado. A Constituição veda qualquer forma de responsabilização por associação familiar ou política, e o Estado brasileiro ao menos em sua letra formal garante que ninguém pode ser privado de liberdade sem demonstração concreta de ato típico, ilícito e doloso.
No entanto, a fundamentação que embasa a decisão retoma conceitos amplos, como “risco democrático” e “abalo institucional”, afastando-se dos critérios objetivos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que exige elementos palpáveis de necessidade cautelar. Quando critérios subjetivos substituem parâmetros legais, abre-se margem para interpretações expansivas que fragilizam o devido processo.
Outro ponto sensível diz respeito à imparcialidade objetiva. Manifestação prévia de autoridades envolvidas no julgamento, somada ao histórico de embates políticos, lança sombras sobre a neutralidade que deveria reger a análise judicial. Em vez de esclarecer os fatos, o processo — segundo críticos — parece validar uma narrativa previamente construída.
Para estudiosos do Direito Penal, esse movimento se aproxima do chamado “Direito Penal do Inimigo”: um modelo no qual o indivíduo deixa de ser julgado por sua conduta e passa a ser tratado como ameaça intrínseca ao Estado. Quando isso ocorre, o risco ultrapassa a esfera do caso específico e alcança toda a sociedade. Um precedente aberto contra um adversário político pode ser usado, no futuro, contra qualquer cidadão.
A tensão também se revela na percepção pública. A maioria expressiva da população interpreta o episódio como expressão de seletividade: enquanto figuras políticas envolvidas em escândalos de corrupção permanecem em liberdade e ocupam posições centrais no governo, opositores enfrentam medidas excepcionais. O contraste alimenta sensação de injustiça e descrédito nas instituições.
Críticos afirmam que a decisão carrega “requintes de severidade” difíceis de justificar, especialmente considerando que Bolsonaro já estava em cumprimento de medidas restritivas e não apresentou comportamento que pudesse configurar risco imediato. Outros classificam como “cruel” a justificativa utilizada, especialmente ao retratar o ex-presidente idoso, com histórico de cirurgias e limitações físicas como potencial agente de fuga capaz de romper equipamentos eletrônicos, evadir-se por telhados e alcançar embaixadas estrangeiras, cenário que acabou gerando forte reação irônica nas redes sociais.
No campo político, porém, há quem sustente que o episódio ultrapassa esquerda e direita, e que discussões sobre anistia não pertencem à disputa partidária, mas ao terreno da humanidade, da empatia e da pacificação nacional.
O fato é que a democracia depende de freios e contrapesos. Quando decisões judiciais começam a ser percebidas como instrumentos de combate político de qualquer lado, a confiança nas instituições se deteriora. E quando a lei deixa de conter abusos, corre o risco de converter-se no próprio abuso.
Carlos Arouck
Policial federal. É formado em Direito e Administração de Empresas.












