Gilmar Mendes e uma nova jurisprudência: Caducaram os impostos? Uma reflexão sobre leis antigas e sua permanência

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A recente decisão do ministro Gilmar Mendes, ao desclassificar uma lei de 1950 sob o argumento de que teria “caducado”, abre um debate curioso e provocador: se aplicarmos essa mesma lógica a outras normas históricas, poderíamos concluir que pilares da arrecadação tributária brasileira simplesmente deixaram de existir.

Seria possível afirmar que impostos como o Imposto de Renda (1922), o ITBI (1934) e o ISS (1940) além de outras leis também caducaram?

LEIS E IMPOSTOS QUE MOLDARAM O BRASIL

1. Lei de Terras (1850)

- Nome oficial: Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.

- Razão: Regulamentar a posse e aquisição de terras no Brasil, estabelecendo que só poderiam ser adquiridas por compra, e não mais por simples ocupação.

- Impacto: Foi criada para organizar o território após a independência e evitar a expansão desordenada. Também refletia interesses da elite agrária, dificultando o acesso dos pobres à terra.

2. Código Penal de 1890

- Nome oficial: Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890.

- Razão: Primeiro código penal da República, substituiu o Código Criminal do Império.

- Impacto: Trouxe normas sobre crimes contra a ordem pública e moralidade, refletindo valores da recém-instalada República. Criminalizou práticas como a “vadiagem” e a “capoeiragem”, mostrando o viés social e político da época.

3. Código Civil de 1916

- Nome oficial: Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916.

- Razão: Criar um corpo normativo para regular relações privadas (família, contratos, propriedade).

- Impacto: Inspirado em modelos europeus, vigorou por quase um século, até ser substituído pelo Código Civil de 2002. Mostra como uma lei pode atravessar gerações sem “caducar”.

4. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, 1943)

- Nome oficial: Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

- Razão: Organizar e proteger direitos trabalhistas durante o governo Vargas.

- Impacto: Instituiu férias, jornada de trabalho e regulamentou sindicatos. Apesar de inúmeras reformas, continua sendo a espinha dorsal da legislação trabalhista brasileira.

5. Lei de Imprensa (1934)

- Razão: Criada para regular a atividade jornalística e controlar abusos da imprensa.

- Impacto:** Refletia o ambiente político da Era Vargas, com forte centralização e censura. Foi posteriormente revogada, mas mostra como leis podem perder sentido com a evolução democrática.

6. Imposto de Renda (1922)

- Criação: Lei nº 4.625, de 31 de dezembro de 1922.

- Razão: Inspirado em modelos europeus e norte-americanos, buscava financiar o Estado brasileiro em expansão.

- Impacto: Tornou-se a principal fonte de arrecadação federal, evoluindo ao longo das décadas com novas faixas, deduções e regulamentações.

- Reflexão: Se fosse considerado “caducado”, o Brasil perderia sua maior receita tributária.

7. ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (1934)

- Criação: Previsto na Constituição de 1934, regulamentado por legislações posteriores.

- Razão: Garantir arrecadação municipal sobre transações imobiliárias, fortalecendo a autonomia financeira das cidades.

- Impacto: É até hoje uma das principais fontes de receita dos municípios, especialmente em grandes centros urbanos.

- Reflexão: Pela lógica da caducidade, toda compra e venda de imóveis estaria isenta de tributação.

8. ISS – Imposto sobre Serviços (1940)

- Criação: Decreto-Lei nº 406/1940, posteriormente consolidado em legislações municipais e constitucionais.

- Razão: Tributar a prestação de serviços, garantindo recursos para os municípios.

- Impacto: Essencial para financiar saúde, educação e infraestrutura local.

- Reflexão: Se “caducado”, milhões de serviços estariam livres de tributação, inviabilizando orçamentos municipais.

O PARADOXO DA “CADUCIDADE”

- A aplicação indiscriminada da idéia de que leis antigas “caducam” levaria a um colapso jurídico e fiscal.

- Diferente de normas que perderam relevância (como a Lei de Imprensa de 1934), impostos são constantemente atualizados e reafirmados em novas Constituições e códigos tributários.

- A permanência deles mostra que a idade de uma lei não determina sua validade, mas sim sua integração ao ordenamento jurídico vigente.

A provocação é válida: se uma lei de 1950 pode ser considerada caduca, por que não os impostos de 1922, 1934 ou 1940?

A resposta está na própria lógica do sistema jurídico: leis não caducam pelo tempo, mas pela perda de eficácia ou revogação explícita.

O risco de aplicar essa “pseudo jurisprudência” é abrir espaço para interpretações que fragilizem a segurança jurídica e a arrecadação pública.

Ao mesmo tempo de se blindarem (juízes do STF) diante dos desmandos e descumprimentos da carta magna que é violentada a cada nova interpretação dos magistrados.

Foto de Jayme Rizolli

Jayme Rizolli

Jornalista.