Um Senado sem poder novamente humilhado por Gilmar
16/12/2025 às 10:52 Ler na área do assinanteO ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, após um humilhante pedido do Senado, suspender parcialmente a liminar por ele proferida sobre a aplicação da Lei do Impeachment nos casos envolvendo os ministros da corte. Também retirou da pauta de julgamento o processo, incluindo-o em sessão de julgamento presencial. De resto, manteve tudo como estava antes, suspendendo apenas dois pontos de sua decisão original, permanecendo a exigência do apoio de dois terços (54) dos 81 senadores para a abertura do processo de impeachment, e não mais a maioria simples (41 senadores). O argumento utilizado foi a proteção e a independência do Poder Judiciário. Manteve também a proibição do afastamento de um ministro na fase intermediária do processo, que é quando o plenário do Senado aprova a admissibilidade da denúncia. Praticamente tudo ficou como antes no quartel de Abrantes.
Em sua análise Gilmar considerou o avanço das discussões no Senado sobre a aprovação de uma legislação atualizada para disciplinar o processo de impeachment de autoridades. Só mudou sua decisão depois que lhe apresentaram o projeto sobre as regras do impeachment. Segundo ele, o novo texto incorpora elementos da liminar e evidencia um esforço de cooperação entre as instituições, guiado pela prudência, pelo diálogo e pelo respeito às normas constitucionais.
“Tal aprimoramento legislativo não se limita a atender formalmente às determinações do Supremo Tribunal Federal, mas configura ato de elevado espírito público, voltado à preservação da integridade do Poder Judiciário e à proteção da harmonia entre os Poderes.”
Em sua nova decisão Gilmar considerou que “Nesse contexto, entendo que o profícuo debate legislativo em curso evidencia a possibilidade de acolhimento parcial das demandas formuladas pelo Senado Federal. No âmbito do Parlamento, a questão relativa à legitimidade para a apresentação de denúncia por prática de crime de responsabilidade por membros do Poder Judiciário ganhou, após a decisão que proferi, contornos próprios, merecendo exame cuidadoso e aprofundado pelos membros do Congresso Nacional.”
Em sua decisão anterior Gilmar anulou, praticamente, a Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento das autoridades. O novo texto apresentado pelo Senado altera somente uma parte da liminar inicial, preservando o restante para concluir a análise do projeto que atualiza as normas de responsabilização de autoridades. O Senado só pode fazer a análise do projeto sobre o assunto por que Mendes assim decidiu. Caso contrário, estaria proibido de fazê-lo. Mesmo assim, Gilmar só suspendeu, em parte, a sua decisão porque o Senado lhe informou que o projeto de lei destinado a atualizar o processo de impeachment avançou na Comissão de Constituição e Justiça e incorporou a maior parte contida na liminar do ministro.
No mais, o texto original permanece com as salvaguardas institucionais para preservar a independência do STF, os filtros destinados a evitar processos de impeachment motivados por pressões políticas e os parâmetros constitucionais voltados à proteção da separação dos Poderes:
“Entendo ser imprescindível a sua manutenção… sobretudo como instrumento de proteção à independência do Poder Judiciário.”
A Casa Legislativa comunicou que o avanço do PL 1.388/2023 trouxe “fato novo e relevante” após a liminar inicial, e que havia necessidade de suspender o ponto referente à legitimidade para denúncia a fim de concluir o debate legislativo sem conflito com as regras fixadas pelo STF.
No episódio, o Senado saiu enfraquecido, pois quando um ministro, sozinho, decide legislar em benefício próprio e modificar uma lei que funcionou perfeitamente por 75 anos sem contrariar a Constituição e sem encontrar resistência no Legislativo, é porque a corte não está à altura da sua representação. Ao aceitar de cabeça baixa a legitimação da blindagem do Judiciário pelo receio de que a direita possa conquistar a maioria significativa da Casa em 2026, o Senado confirma o que disse Orwell ao mostrar que não é o poder que destrói princípios, mas a ausência de limites, de debates e de vigilância. Gilmar reescreveu a Lei 1.079/50 criando não apenas uma desigualdade gritante em relação ao impeachment dos ministros, mas blindando a si mesmo e a seus colegas de qualquer possibilidade de impeachment, independentemente dos excessos que cometam.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário