Há algo profundamente errado quando um governo que se elegeu sob o estandarte da transparência transforma o sigilo em rotina administrativa.
Para quem denunciou, criticou e ridicularizou o governo anterior por seus “sigilos de 100 anos”, o que assistimos hoje é uma afronta direta ao povo brasileiro — e, pior, uma traição ao discurso que levou milhões às urnas.
Há governos que erram. Há governos que tropeçam.
E há governos que escolhem esconder — e fazem disso um método, um hábito, quase uma doutrina silenciosa. O verdadeiro som do silêncio. O Brasil está diante do terceiro tipo.
A promessa era clara: revogar sigilos, abrir as caixas‑pretas, iluminar os porões da máquina pública. A realidade, porém, tomou o caminho oposto.
O CATÁLOGO DO SIGILO: O QUE ESCONDERAM E POR QUE ISSO É GRAVE
Com base em informações públicas divulgadas pela imprensa, o atual governo aplicou ou manteve sigilos em temas de enorme relevância pública. Entre os casos mais citados:
- A agenda da primeira‑dama
Pedidos de acesso foram negados sob alegação de “dados pessoais”, o que na prática equivale ao mesmo sigilo de 100 anos criticado no passado.
- Lista de militares presentes no 8 de janeiro
Acesso negado. A justificativa? Novamente, “dados pessoais”.
Um dos episódios mais graves da história recente do país permanece com peças importantes fora do alcance da sociedade.
- Registros de visitantes do Palácio do Planalto
Segundo reportagens, o governo manteve sob sigilo registros de visitas da gestão anterior — justamente aquilo que prometera abrir.
- Gastos do cartão corporativo
A divulgação irregular ou incompleta desses gastos contradiz diretamente o discurso de transparência total.
- Agendas ministeriais ocultas
Reportagens apontam que até **90% das reuniões de ministros** não foram divulgadas.
Como fiscalizar um governo que esconde quem encontra, quando encontra e para tratar de quê?
- Omissão de dados sobre honorários da AGU
Segundo informações públicas, o governo deixou de divulgar por oito meses dados sobre pagamentos bilionários de honorários advocatícios — inclusive valores recebidos pelo próprio ministro da pasta.
Segundo dados apurados com base em informações do jornal *Estadão*, o governo atual negou **1.339 pedidos de informação em 2023** sob alegação de proteção de dados pessoais — exatamente o mecanismo que gera sigilos de 100 anos.
O QUE ESTÁ EM JOGO
Transparência não é favor. É obrigação constitucional.
É o mínimo que se espera de quem administra recursos públicos, toma decisões públicas e ocupa cargos públicos.
Quando um governo — qualquer governo — escolhe esconder:
- agendas,
- gastos,
- comunicações,
- listas de servidores,
- registros de entrada,
- reuniões,
- informações diplomáticas,
ele não está protegendo “dados pessoais”. Está protegendo a si mesmo.
E quando isso acontece, o cidadão perde o direito de fiscalizar.
A imprensa perde o direito de investigar.
A democracia autêntica desaparece e, em seu lugar, surge uma versão adulterada — a chamada “nova democracia”, onde transparência é exceção e sigilo é regra.
O país que ouviu promessas de “abrir a caixa‑preta” agora assiste à construção de uma “caixa‑forte”
E quem paga por isso — literalmente — é o povo brasileiro.
Seja qual for o governo, seja qual for o partido, seja qual for o discurso:
Sigilo não protege pessoas — protege erros.
Sigilo não preserva privacidade — preserva poder.
Sigilo não serve ao povo — serve a quem governa.
E quando a transparência vira marketing, a verdade vira refém.
O Brasil merece mais do que slogans.
Merece caráter, sobriedade e respeito.
A democracia não morre com tanques.
Morre com gavetas trancadas. Com portas fechadas. Com informações negadas. Com governos que falam em transparência enquanto constroem labirintos de sigilo.
A democracia exige luz. E luz não combina com segredo.
Jayme Rizolli
Jornalista.