A OEA acusa: o STF virou censor e o Brasil normalizou o autoritarismo judicial
28/12/2025 às 10:56 Ler na área do assinanteO relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre liberdade de expressão no Brasil desmonta a narrativa oficial apresentada como “defesa da democracia”. O documento da Relatoria Especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos é direto: o Estado brasileiro passou a restringir o direito à livre manifestação por meio de decisões judiciais arbitrárias, concentradas e politicamente orientadas. No centro desse processo está o Supremo Tribunal Federal (STF).
Após visita oficial ao país em fevereiro de 2025, a OEA registrou uma realidade vivida por milhões de brasileiros desde 2019: um tribunal que deixou de interpretar a Constituição e passou a regular o debate público. Sob o argumento de conter supostos “ataques à democracia”, o STF assumiu competências que não lhe cabem, relativizou o devido processo legal e instituiu, na prática, um sistema de censura seletiva.
A Constituição é explícita ao tratar a liberdade de expressão como cláusula pétrea e ao vedar qualquer forma de censura. Ainda assim, o STF ignorou esses limites ao instaurar inquéritos de ofício, sem participação do Ministério Público, sem distribuição regular e sem prazo definido. No mesmo procedimento, investigou, acusou e julgou. Tudo em ambiente sigiloso e com restrições ao contraditório.
O relatório afirma o que o discurso oficial evita reconhecer: nenhuma democracia subsiste quando um tribunal concentra poder dessa forma. O STF passou a definir quem pode se manifestar, o que pode ser dito e quais opiniões são aceitáveis. Isso não corresponde à proteção institucional. Trata-se de controle político.
O termo “desinformação” tornou-se o principal instrumento desse modelo. Sem definição legal, critérios objetivos ou exigência de prova, passou a fundamentar remoções de conteúdo, bloqueios de perfis, multas elevadas e prisões preventivas. A OEA aponta que o conceito não atende aos padrões internacionais de legalidade e não pode sustentar sanções estatais.
Apesar disso, foi utilizado para silenciar jornalistas, influenciadores, parlamentares e cidadãos comuns. Reportagens foram retiradas do ar. Opiniões políticas passaram a ser tratadas como ilícitos. Plataformas digitais foram pressionadas a atuar como extensões do aparato repressivo, sob ameaça de punição.
O efeito foi a disseminação do medo e da autocensura. A crítica ao sistema passou a ter custo previsível.
O relatório também analisa a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, que deixou de se limitar à função de árbitro do processo eleitoral e assumiu papel ativo na filtragem do debate público. Conteúdos classificados como “notoriamente inverídicos” foram removidos sem critérios transparentes, sem perícia independente e sem garantia de defesa.
A imprensa entrou no mesmo ciclo. Ações judiciais abusivas, indenizações desproporcionais e medidas de censura prévia passaram a ser toleradas, quando não legitimadas, pelo próprio Judiciário. O sinal emitido foi inequívoco: investigar pode resultar em punição.
A imunidade parlamentar também foi relativizada. Deputados e senadores passaram a ser investigados e sancionados por manifestações feitas no exercício do mandato. A OEA alerta que esse tipo de intervenção compromete a separação entre os Poderes e subordina o voto popular à tutela judicial.
A conclusão do relatório é incompatível com a narrativa oficial. Ao tentar preservar a democracia por meio da força, o Estado brasileiro a fragilizou. Ao buscar silenciar vozes consideradas inconvenientes, incentivou a radicalização. Ao substituir o debate pela repressão, abriu espaço para práticas autoritárias.
A OEA recomenda limites objetivos ao poder judicial, respeito ao devido processo legal, abandono de conceitos vagos como “desinformação” e proteção efetiva ao pluralismo. Desconsiderar essas recomendações não representa falha técnica. Representa decisão política.
O Brasil passou a aceitar como normal um Supremo que censura, um sistema eleitoral que controla o discurso e um Estado que trata a liberdade de expressão como concessão.
A democracia não corre risco porque há quem fale demais. Ela se deteriora quando o poder decide quem pode falar.
Carlos Arouck
Policial federal. É formado em Direito e Administração de Empresas.