William Waack e a ideologia irracional de um país de analfabetos

24/12/2017 às 05:49 Ler na área do assinante

Contra fatos, não há argumentos: estamos num país composto por maioria esmagadora de analfabetos/analfabetos funcionais. Esta é a premissa maior do nosso silogismo. Antes de qualquer exercício de comunicação temos que manter em nosso horizonte este incômodo fato…mais da metade dos brasileiros adultos tem apenas ensino fundamental…e ensino fundamental brasileiro, destaque-se! Todos sabemos o que, na prática, isso significa. Na média, um compatriota mal sabe pressionar a válvula da descarga sanitária…e isso porque precisa.

Bem, paradoxalmente, não será necessário gastar muito fosfato para explicar o quanto isso faz de nós presas fáceis a um grupo de espertalhões. A coisa toda se espalha para âmbitos os mais diversos: religião, política, cultura, educação. É fácil conduzir a todos para currais preparados para um gado assim domesticado. Dois ou três estímulos visuais, uma leve estocada ideológica, comportamento de bando e…pronto, estão todos nos cochos da vida social, alimentando-se do que lhes é ofertado sem grandes cerimônias.

Meu ponto aqui, no entanto, é mais específico. Quero falar rapidamente de um efeito das técnicas gramscianas (procura aí no Google “Gramsci”, você vai entender) aplicadas em larga escala nesta Zumbilândia chamada brasil (com b minúsculo, porque de um aspecto menor do país se trata): a saída de William Waack, um dos mais importantes jornalistas do país, da Globo.

O senhor Waack foi pego, numa gravação realizada enquanto estava fora do ar, proferindo frase racista, infeliz e vexatória. Algo injustificável, cujo simples existir deve ser motivo de séria reflexão para todos nós. Uma vez vazada a imagem – por uma figura deplorável que a esta altura já ocupa novamente o seu lugar de origem: o mais profundo esquecimento (o sujeito teve a cara de voltar ao estúdio para fazer uma foto junto à bancada para ironizar toda a situação) – o jornalista se desculpou: reconheceu o seu erro diante daqueles que, em suas palavras, “se sentiram ultrajados” pelo ocorrido. Digno e moral, como deve ser.

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Imediatamente (e muito justamente) suspenso da programação, William Waack passou a sofrer um ataque histérico dos justiceiros de plantão, gente que não erra, seres humanos colocados na terra plana para nos ensinarem a todos que “não passarão”: “golpistas”, “brancos”, “héteros”, “fascistas” (quando não sabem do que acusar, sempre recorrem a “fascistas”!), “racistas” etc: tudo com aquela linguagem batida e cansativa que só um aparelhamento ideológico de décadas conseguiria promover.

“Sejamos homens…não queiramos ser deuses”, ensina um dos Sete Sábios da Antiga Grécia. Homens erram. E a perseguição messiânico-ideológica só é “divertida” enquanto dirigida ao outro. Quando o plano se inverte – e este é um movimento dialógico dificilmente evitável –, isto é, quando passamos nós a sermos o alvo, a coisa toda deixa de ser interessante e festiva.

William Waack errou…ponto! Que a ele fosse aplicada a dosimetria da pena, recurso fartamente conhecido no mundo contemporâneo das sanções (estão lembrados daquela? A diferença entre o remédio e o veneno não é a substância, mas a dose…). No cálculo devem ser levados em conta motivos atenuantes, por óbvio: sem antecedentes, serviços prestados à comunidade, brilhantismo ímpar na condução do seu trabalho cotidiano. Pena? Sei lá… suspensão por tempo determinado, punição pecuniária e pedido público de desculpas no primeiro minuto de jornal. Efeito pedagógico, corretivo e emblemático ao mesmo tempo. Mais do que isso, é caçada, não exigência de justiça. Ou vamos proscrever da face do planeta todos os que cometem erros desta natureza? Se a saída é essa, vamos além, para que pensarmos em campanhas educacionais, em esclarecimento, para que apostarmos no aperfeiçoamento e na mudança de quem hoje faz leitura torta da realidade? Com a devida vênia, devo dizer: sou professor. No dia em que não acreditar mais na possibilidade de melhorar alguém com o que faço, saio no outro dia da sala de aula. Ademais, vale aqui a máxima bíblica (e olha que sou um agnóstico de carteirinha): “quem nunca errou…”.

O caminho é longo…passa, primeiro, por alfabetizar, por ensinar que a realidade é algo muito mais complexa do que o “sim” e o “não” querem fazer entender. As mídias sociais, em especial, deram voz aos idiotas da aldeia (como bem disse Umberto Eco). E os idiotas estão decidindo, por pressão quantitativa, o futuro deste país. Perigoso…

Punição? Sim. Justiça? Sempre. Vingança? Cuidado…o próximo da fila pode ser você.

Fonte: Jornal Hora Extra

Dennys Garcia Xavier

Professor Associado de Filosofia Antiga e Ética da Universidade Federal de Uberlândia. Tem Pós-doutorado pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade de Coimbra.

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