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Ópera Carmen, de 1875, é modificada para atender o “politicamente correto”

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Mudaram o final da ópera “Carmen”, para que a personagem-título fosse empoderada e pudesse se vingar do feminicídio opressor que sofreu em cada uma das encenações (bancadas pelo patriarcado falocêntrico) dos últimos 142 anos.

Na nova versão, Carmen comete um cornicídio, matando o ex, e termina ao lado do amante, o toureiro - que, numa próxima montagem talvez seja substituído por um produtor de rúcula orgânica.

“Em um momento em que nossa sociedade está tendo que confrontar o assassinato de mulheres, como podemos ousar aplaudir o assassinato de uma mulher?” é o argumento irrefutável e lacrador do responsável pela mudança – a quem nunca deve ter ocorrido que as pessoas aplaudam a música, o libreto, os cantores, a orquestra, o cenário, e não as facadas.

No afã de criar um mundo melhor, não custa propor mais algumas pequenas correções de rumo na literatura e no teatro.

✅ “Sítio do pica-pau amarelo”: “Sítio” remete a propriedade privada, “pica-pau” estimula subliminarmente o desmatamento e “amarelo” induz ao preconceito contra os asiáticos.

Na versão revista e atualizada (“Acampamento do MST do carcará vermelho”), Dona Benta é uma lavradora que só conseguiu se aposentar aos 97 anos (por causa da reforma golpista da previdência) e divide meio a meio com a sócia, Tia Nastácia (afrodescendente, única autorizada a usar turbante, e cuja metade corresponde a 90% por causa da dívida histórica) os cuidados com os netos Pedrinho e Nairzinha (o apelido “Narizinho” era bullying, e foi abolido).

Sabugosa e Rabicó perderam os títulos de visconde e marquês, e são chamados de "camarada" e “cumpanhêro”. Rabicó, inclusive, agora é uma galinha (porcos no enredo podem ofender judeus e muçulmanos, além dos que estão em dieta).

Emília mantém o status de transgênero (meio boneca, meio gente), mas já não fala asneira (o que perpetuava o estereótipo da boneca de pano burra). E é Pedrinho quem brinca com ela.

✅“Dom Casmurro”: Capitu se liberta dos grilhões machistas logo no primeiro mimimi do ciumento Bentinho - pede o divórcio, fica com a casa de Matacavalos, e para de raspar o sovaco. Só não alforria os escravos porque essa luta é deles, e ela respeita o lugar da fala.

Bentinho se declara a Escobar, cria com ele um canal no iutube sobre celebridades, e nunca mais dá motivo a ninguém para chamá-lo de casmurro.

✅ “Gênesis”: Deus informa à esposa de Noé que quer formatar a Humanidade e, como é muito justo, aproveitar para, de quebra, afogar tudo quanto é bicho.

Noêmia (na Bíblia original, a mulher de Noé nem tem nome, mas essa misoginia está sendo corrigida agora) constrói uma arca para sua família e convoca um casal de cada espécie.

Lacradora que é, só aceita casais homoafetivos. Daí todas as espécies terrestres logo se extinguem, e apenas sobrevivem os animais aquáticos (que, obviamente, não morreram afogados no dilúvio), e a nova Humanidade é muito mais saudável, comendo somente peixes, verduras e legumes. (Se bem que poucas hortaliças devam ter sobrevivido depois de 40 dias debaixo d’água).

✅ “Odisseia”: Ulisses volta para casa e, antes mesmo de cruzar a praça da matriz de Ítaca, é preso pelo não pagamento de pensão e por abandono de incapaz (Telêmaco ainda era bebê quando o pai deixou Penélope por causa de uma tal de Helena).

Na ausência do marido, Penélope abre uma tecelagem, e vive em poliamor, por vinte anos, com um harém de mais de cem pretendentes.

✅ “Dama das Camélias”: Marguerite toma antibiótico, não morre de tuberculose, e acabou a história, antes de começar.

✅ “Otelo”: Otelo é louro, não mouro - logo, ninguém tem nada contra ele.

Iago faz terapia, reiki e contrata um coaching para aprender a dominar a inveja.

Desdêmona conhece Cássio no Tinder, mas os dois são super discretos (ela diz que vai pra aula de cerâmica; ele avisa que vai chegar mais tarde porque o trânsito tá todo parado no Rebouças).

São felizes para sempre.

Foto de Eduardo Affonso

Eduardo Affonso

É arquiteto no Rio de Janeiro.

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