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Os descalabros na educação da Pátria Educadora

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A educação brasileira enfrenta uma desorganização generalizada, um verdadeiro caos em termos de gestão governamental, desde os tempos que antecederam o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932. Fernando Azevedo, no decorrer da Revolução Constitucionalista, redigiu o Manifesto que foi assinado por 26 importantes intelectuais, onde se destacavam Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles, em protesto contra as mazelas observadas. O documento foi incorporado ao projeto de renovação educacional do país e passou a fazer parte do processo de reordenação política resultante da “Revolução de 30” comandada por Getúlio Vargas. Infelizmente, tornou-se uma peça de ficção nas mãos dos políticos que dominaram o setor da educação.

No final dos anos 40, sob a influência da Escola Superior de Guerra e da cultura norte-americana, procurou-se estruturar um novo modelo educacional para o Brasil. Entretanto, as crises políticas e econômicas imobilizaram as ações operacionais desse segmento social, levando a educação para o fundo poço, no início dos anos 1960.

A “Reforma Educacional de 1968”, gestada no governo de Castelo Branco e fundamentada nos estudos de 1949, privilegiou o ensino privado implantando uma estrutura empresarial que transformou a educação em mercadoria. A partir de 1990, nos governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, a educação pública foi deixada em segundo plano, com o consequente sucateamento de seu patrimônio intelectual e físico. A privatização foi incentivada com enormes transferências de recursos públicos para o setor empresarial, via programas demagógicos e antidemocráticos mantidos em todos os níveis governamentais (União, Estados e municípios). Um dos instrumentos utilizados foi a famigerada Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Na gestão Dilma Rousseff foi instituído o Sistema Nacional de Educação (SNE) e aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE). Inexplicavelmente, os recursos orçamentários para a educação pública foram reduzidos a valores ridículos, sob a alegação de que era preciso manter o superávit primário. Paralelamente, o fundo partidário foi mais do que triplicado. Os professores reagiram com firmeza, primeiro administrativamente, tentando reverter esse quadro degradante montado pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo. Aos poucos os movimentos mais explícitos foram para as ruas tentando sensibilizar a população, a mais prejudicada pelos desmandos políticos. O governo respondeu na base do cassetete, como nos velhos tempos dos governos militares.

Renato Janine Ribeiro, ministro da educação,

e sua equipe de “educadores” justificam que receberam uma “herança maldita” e que agora precisam implementar uma política de “inclusão social” para corrigir as mazelas do passado. Para tanto, dizem eles, é necessário investir em quatro “iniciativas” fundamentais: a) aprovação de um projeto contendo a explicitação de uma base nacional comum orientadora para a formação docente e para os processos de avaliação da aprendizagem; b) definição de normas de cooperação para dirigir as competências comuns dos governos na oferta educacional; c) extinção do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), criando-se um modelo que não cristalize as desigualdades; d) adequação das leis que definem a atuação, em colaboração, dos sistemas federal, distrital, estaduais e municipais, com base nas regras nacionais aprovadas.

Cacildes!... Diria o saudoso Mussum. Mas não é piada dos Trapalhões, é a proposta do Ministério da Educação da “Pátria Educadora” de Dilma Rousseff. Os professores das Universidades Federais estão em greve, unidos aos protestos mantidos pelos professores estaduais e municipais espalhados pelo Brasil.

O magistério é uma das mais nobres e respeitáveis profissões do mundo. É a atividade social responsável pela evolução técnico-cultural dos povos e pela formação das sociedades modernas. Entre os povos desenvolvidos, educados, os professores são chamados de mestres, e tratados como tais, como é o caso do Japão, da Noruega e da Finlândia. Os governantes das nações subdesenvolvidas, como o Brasil e a Venezuela, tratam seus mestres com desprezo, como se fossem profissionais de última categoria na escala social.

Destaque-se que, para que haja respeito humano, é preciso ter uma estrutura salarial condizente com as necessidades sociais. Para tanto, seria interessante que os deputados federais e os senadores igualassem seus vencimentos aos salários dos professores das Universidades Federais, que os deputados estaduais igualassem seus rendimentos aos salários dos professores estaduais e que os vereadores igualassem seus proventos aos salários dos professores da REME.

Na avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o salário médio anual de um professor do ensino fundamental nos 34 países membros é de US$ 29.400,00. Em Luxemburgo é de US$$ 66.108, no Japão é de US$ 25.454, podendo chegar a US$ 56.543, conforme o tempo de serviço, e na Finlândia é de US$ 42.800. O salário médio anual dos professores brasileiros é de US$ 10.375, apesar de a Constituição prever um piso salarial condizente. Nesse item o Brasil está entre os mais baixos do mundo, juntamente com a Argentina, a China, a Índia, a Indonésia e a Bolívia. No Chile e no México o salário médio anual dos professores é de US$ 16.000.

Em 2008 o presidente da República sancionou a Lei 11.738 regulamentando “o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica a que se refere a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. O art. 2º estipula o valor de R$ 950,00 mensais para a formação em nível médio e determina que esse valor seja atualizado no mês de janeiro de cada ano, a partir de 2009.

Determina, também, que “As disposições relativas ao piso salarial (...) sejam aplicadas a todas as aposentadorias e pensões dos profissionais do magistério público”. O art. 6° da lei determina que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar ou adequar seus planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009, tendo em vista o cumprimento do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica”.

Em Campo Grande a categoria conquistou o piso nacional em 2012 (ano eleitoral), pela lei municipal 5060, para cumprimento a partir de 2013. Entretanto, o prefeito Alcides Bernal (PP), pela lei nº 5189/13, postergou a integralização do piso para o exercício de 2014. Bernal foi cassado pela Câmara de Vereadores, assumindo em seu lugar o “pastor” Gilmar Olarte (PP), fundador de uma igreja neopentecostal, despreparado para o importante cargo de prefeito da capital de Mato Grosso do Sul.

O “pastor” Olarte, em conivência com os vereadores (Lei 5411/14), postergou a integralização salarial para o exercício de 2015, acordando que o reajuste seria de 13,01%. Agora o prefeito recusou dar cumprimento à lei alegando “responsabilidade fiscal”, mas continua nomeando membros de sua igreja para cargos comissionados (mais de 1.299 nomeações, segundo o Diário Oficial). Os nobres e competentes vereadores se calam e aproveitam para encaixarem alguns apaniguados.

Os professores municipais se mantém firmes na luta por seus direitos constitucionais e melhores condições de trabalho, enquanto o prefeito e os vereadores chamam a PM e a Guarda Municipal para “dialogar” com os mestres, na base do cassetete.

Os professores, sob forte pressão governamental e após inúmeras tentativas de diálogo e negociação, decidiram pela manutenção da greve. O prefeito e os vereadores reagiram negativamente tentando denegrir a justa luta da categoria, ao invés de cumprirem as leis por eles mesmos aprovadas. O judiciário, inexplicavelmente, decidiu a favor do prefeito e dos vereadores, determinando que 66% dos professores retornem ao trabalho mesmo sem o respeito aos direitos adquiridos. Foi além estabelecendo a multa diária de R$ 50 mil caso sua decisão não seja acatada.

O povo campo-grandense, principalmente os eleitores que colocaram esses senhores no poder, deve estar se questionando se é dessa forma que se conseguirá uma educação pública de qualidade. Os professores municipais merecem o respeito e o apoio dos cidadãos conscientes e responsáveis porque não haverá educação de qualidade se eles não forem valorizados.

A única solução plausível para o impasse é não reeleger nenhum dos atuais parlamentares, nos três níveis governamentais.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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