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Com mãos e pés algemados, Cabral é usado para que povo aceite a lei da anistia aos corruptos

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No dia 18 último (quarta-feira), o Jornal da Cidade Online publicou artigo sobre a trama diabólica que representa este plano maldito - e até agora ocultado - do parlamento de conceder anistia ampla aos corruptos do Mensalão e de todos os demais investigados, denunciados, processados, condenados, delatores e delatados nas operações seguintes e congêneres e que lesaram os cofres públicos, no país e dos Estados federados e suas instituições (Veja Aqui).

O artigo, após explicar resumidamente a diferença entre anistia, graça e indulto, que são institutos previstos na Constituição Federal, chegou a reproduzir alguns dos "cândidos considerandos" constantes do rascunho da Exposição de Motivos deste "perdão" que está sendo articulado, por enquanto por poucos parlamentares.

E tudo corre às escondidas, no mais completo silêncio. E lá no final da legislatura de 2018, será levado à votação. E tratando-se de lei ordinária, nem precisa maioria absoluta dos membros da Câmara e do Senado para a sua aprovação. Basta a maioria simples (metade dos presentes mais um).

E nosso editor, jornalista José Tolentino, do referido artigo fez suíte no dia seguinte, 19 (quinta-feira), ou seja, tornou a publicar o assunto, agora com texto dele próprio, por reconhecer que se tratava mais de uma notícia, grave e importante, em forma de artigo (Veja Aqui). E era mesmo. E continua sendo.

Voltemos hoje ao assunto, mais uma vez. Antes, lembremos que os principais nomes desta imensa lista de corruptos, sem dúvida, são os do ex-governador Sérgio Cabral e do ex-deputado federal Eduardo Cunha. Sérgio, por enquanto, já condenado a mais de 80 anos. E Cunha, também por enquanto, a 386!!!.

Bobagem. A lei brasileira não admite prisão perpétua. E tais penas levariam à perpetuidade. Além disso, o cumprimento da pena não pode ultrapassar 30 anos. Muito menos, até.

Com o afrouxamento da legislação e a desmoralização da ordem jurídica nacional penal, Cabral e Cunha não passariam mais de 5 anos na prisão. No caso da pena máxima e 30 anos, com 5 de cumprimento (1/6) já ganhariam a liberdade. E, mesmo presos, se fizerem um cursinho de Teologia à distância, se lerem tantos livros na prisão, se tiverem bom comportamento, se forem obedientes, nem chegariam a ficar mais de 2 ou 3 anos presos...

É a também maldita progressão da pena (aliás, redução da pena, seria o correto) que até poderia ser admitida, se o sistema carcerário cumprisse o ideal de ressocialização que é a verdadeira destinação da pena. Mas todas essas reduções bondosas para quem não merece cairão por terra, porque a anistia ampla vem aí.

Talvez, no sentimento do povo, Cabral seja hoje o símbolo maior do Homem Corrupto. Pode até ser. Mas Sérgio Cabral não merecia ter mãos e pés algemados pela policia judiciária federal do Paraná, como se viu nesta sexta-feira pela televisão.

"Merecia, sim, porque ele "f**eu" o povo, desviando para suas contas bancárias dinheiro que era para ser usado em benefício do povo", desabafou ontem dona Derci, a ambulante que vende "cuscuz" pela ruas da Tijuca, no Rio.

Não, não merecia não, dona Derci. Nas décadas de 1970 e 1980, advoguei 33 ações contra o Estado do Rio de Janeiro, com pedido de indenização para as famílias de detentos assassinados nas Penitenciárias da Rua Frei Caneca, centro do Rio. A Justiça acolheu 30 e rejeitou apenas 3 ações. Advoguei gratuitamente. Nada cobrei. Nada recebi. Dizem os livros que foram ações pioneiras. É, pode até ser. Mais da metade das famílias foi Tim Lopes quem encaminhou lá para o escritório:

"Jorge, aqui é Tim Lopes, estou encaminhando as famílias dos presos mortos esta semana na Frei Caneca para você cuidar do caso". "Sim, Tim Lopes, pode mandar".

Foram várias ligações telefônicas que recebi de Tim. Da minha parte aceitava as causas porque acreditava que o Estado chegaria à conclusão de que seria muito mais vantajoso gastar com a recuperação do condenado que o Estado custodia do que gastar com a indenização por sua morte no cárcere. Perdi meu tempo. A situação até piorou. Então, desanimado, decidi parar. Mas também ouço dizer e tenho lido nos livros que o Constituinte de 1988 inseriu na Constituição Federal aquele item nº XLIX do artigo 5º por causa da repercussão que, na época, tiveram as ações indenizatórias que patrocinei e o Estado do Rio foi condenado:

 "É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". Mas nem isso me conforta, por constar apenas do papel, porque na prática a verdade é outra.

Mas é justamente em razão do descumprimento do que determina a Constituição Federal (artigo 5º, item XLIX), que Sérgio Cabral foi posto, nesta sexta-feira, à humilhação pública.

Algemar mãos e pés de Cabral foi por que e para que?

Para humilhar o preso, é claro. E isso não se faz. É prepotência. É covardia. É falta de civilidade.

A função e o dever das autoridades e agentes das autoridades judiciais e judiciárias não é a de humilhar ninguém. Nem o pior dos bandidos merece tamanha humilhação.

A função é prender, processar e julgar. Se for condenado, levá-lo ao cárcere. Sim, porque mesmo preso e condenado e no cumprimento da pena, o apenado continua com todos os direitos de ser humano. A pena é de encarceramento. Não, de humilhação também.

Mas o que tem a ver tudo isso com a anistia que vem por aí?

Tem tudo a ver. A vexação imposta a Cabral foi proposital. Se não despertou compaixão na dona Derci, fez nascer comiseração em muita gente, mas muita gente mesmo.

E é exatamente isso - compaixão, comiseração, piedade, pena - que o parlamento precisa que o povo sinta para tornar pública e aprovar a lei da anistia. Eles sabem que o povo brasileiro é sentimental e bom. Que sempre perdoa e acredita na ressocialização, de per si, do egresso das prisões.

Collor não se reelegeu senador e agora se projeta novamente candidato à presidência?

Pais e mães não deixaram seus pequenos filhos tirar fotos ao lado do ex-goleiro Bruno, como se este fosse um ídolo e de vida ilibada?

Pronto, a preparação da consciência coletiva da população para aceitar a lei da anistia começou ontem, com o uso da figura cabisbaixa e abatida de Cabral, com mãos e pés algemados e cercado de 8 policiais federais, armados até os dentes, com metralhadoras e tocas "ninjas".

O país inteiro viu. É o que interessava para preparar a anistia. E conseguiram.

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PS - A posse de Cristiane Brasil nesta segunda-feira como ministra do Trabalho é o mesmo que empossar como ministro da Saúde, ou da Previdência Social, médico condenado por omissão de socorro. (J.B)

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Foto de Jorge Béja

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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