Reorganização da política de Segurança Nacional

12/03/2018 às 21:14 Ler na área do assinante

O Manual Básico do Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra, edição de 1975, diz que “Segurança Nacional é o grau de garantia que – através de ações políticas, econômicas, psicossociais e militares – o Estado proporciona, em determinada época, à Nação que jurisdiciona para a conquista ou manutenção dos objetivos nacionais, a despeito dos antagonismos ou pressões existentes ou potenciais”. Isso significa que as Forças Armadas, teoricamente, estão preparadas para, a qualquer momento, assumirem as funções de mantenedoras da ordem social, interna e externamente.

Os militares assumiram o poder, diretamente, em 1964, apoiados pela classe dominante e suas instituições organizadas, e deixaram o comando nacional em 1985, totalmente desprestigiados. Agora voltam nos braços da classe média devido à incompetência e a desregrada corrupção dos políticos civis. Na verdade os militares nunca saíram de cena, apenas aguardavam o momento apropriado para reassumirem plenamente o poder. Assim a classe dominante e o sistema financeiro internacional veem a atuação dos militares neste momento de acomodação governamental.

Sergio Etchegoyen (filho do general Leo Etchegoyen – ex-secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, ex-chefe do Estado-Maior do II Exército e ex-chefe do Estado-Maior do III Exército), ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Moreira Franco (casado com a sogra de Rodrigo Maia), ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, e Raul Jungmann, então Ministro da Defesa, convenceram o presidente Michel Temer a desencadear a intervenção no Rio de Janeiro.

Nesse contexto, é válida a observação de Pedro Abramovay, Diretor para a América Latina da Open Society Foundation, ex-secretário Nacional de Justiça: “O PMDB de Ulysses e Tancredo tirou os militares da política e os mandou para os quartéis. O de Temer faz o perigoso caminho inverso”.

A sequência de atividades para a mobilização nacional foi, mais ou menos, a seguinte (apesar da reprovação do Alto Comando devido ao modo apressado como as coisas aconteciam): primeiro a intervenção federal no Rio de Janeiro e a definição da estrutura de comando: o general de Exército Walter de Souza Braga Netto como interventor militar na segurança pública do Estado; o general de brigada Mauro Sinott como chefe do Gabinete de Intervenção (responsável pela área operacional); o general de divisão Richard Fernandes Nunes assumiu a Secretaria de Estado de Segurança; o comandante-geral da PM é um coronel e os batalhões são comandados por tenentes-coronéis. Todas as decisões referentes à ocupação estão centralizadas no Centro Integrado de Comando e Controle.

O general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, e o general Braga Neto, em audiência com Temer Reivindicaram recursos financeiros para as operações e medidas adicionais com ênfase em dois pontos: mandados coletivos de busca e apreensão e regras mais flexíveis de atuação das tropas (entre as quais a permissão para atirar em civis “com intenção hostil” como ocorre em operação de guerra).

Depois veio a criação do Ministério da Segurança, aparentemente sem um planejamento estratégico bem definido, O suplente de deputado federal Raul Jungmann (ex-PCB aliancista, atual PPS, linha auxiliar do PSDB) foi empossado como ministro, sonhando ser presidente; o general Carlos Alberto Santos Cruz tomou posse como titular da Secretaria-Executiva, acumulando a Secretaria Nacional de Segurança Pública (é o responsável pela área operacional do Ministério).

Para o Ministério da Defesa foi designado o general de Exército Joaquim Silva e Luna que, ao que parece, acumula o comando supremo das Forças Armadas. Tudo indica que o próximo passo será a incorporação do Ministério da Segurança Pública ao Ministério da Defesa. Os militares ficarão com o controle das fronteiras, portos e aeroportos. A Polícia Federal, a PRF e as polícias estaduais (todas subordinadas ao Ministério da Defesa) se encarregariam da segurança interna.

O Manual Básico da ESG informa, também, que “Segurança, por ser abrangente, encerra a ideia de Defesa”. O general Médici, quando presidente da República, ressaltou que a “Segurança de uma comunidade não prospera na desigualdade entre os homens, na floração de privilégios, na injustiça social, nem na desagregação entre raças e gerações...”. Cabe lembrar que ainda está faltando recursos para o reequipamento do setor policial-militar em operação. Portanto, a sequência lógica será, a partir de agora: a) transferência de meios para atender à efetivação de Hipótese de Guerra ou grave perturbação da ordem; b) promover a produção oportuna de meios adicionais.

É grande a ciumeira entre os políticos da “base aliada” de Temer. Eles querem a substituição do general Joaquim Silva e Luna por um civil. Acontece que o presidente não encontra nenhum “ficha limpa” para o cargo. A única opção vislumbrada pelo “núcleo duro” do governo é o nome do também general da reserva Sérgio Etchegoyen – mas aí seria trocar seis por meia dúzia.

Os governadores foram avisados de que haverá integração e centralização dos órgãos estaduais ao Ministério da Segurança, mas não foram informados como tal coisa se realizará porque essa parte ainda não foi definida. Os Estados poderão pegar empréstimos no BNDES para custearem as novas despesas. Nos “Governos Militares” as PMs estaduais eram comandadas por coronéis do Exército e os secretários estaduais de segurança eram aprovados pelo SNI antes de serem empossados.

O Congresso Nacional aprovará a criação do Sistema Integrado de Segurança Pública, mas Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, e Eunício Oliveira (PMDB), presidente do Senado, desconheciam o teor do projeto original. O general Braga Netto, interventor no Rio, esclareceu que a integração das ações de inteligência que está promovendo regionalmente servirá de modelo para os outros Estados: “O Rio de Janeiro é o laboratório”. O jornalista Marco Aurélio Canônico complementa: “A ação militar brasileira no Haiti foi um ensaio para a intervenção no Rio. Esta, por sua vez, é um laboratório para o Brasil”.

Jungmann tranquilizou Meirelles, ministro da Fazenda e presidenciável em campanha, ao dizer que “Não vai ter custo, as inteligências já existem só precisam ser integradas”. Entretanto, a criação de inúmeros cargos e o anuncio de contratação de 1.000 novos agentes de segurança desmentem o ministro.

Por outro lado, os militares, ao que parece, querem fugir de uma possível armadilha político-eleitoral em que poderiam ser colocados no Rio, isto porque, se tudo der certo, Temer e sua base aliada levarão os louros da vitória. Mas se houver incidentes graves, ou se a ocupação não resolver satisfatoriamente os problemas da violência, o ônus do fracasso recairá sobre as Forças Armadas. Por isso, o General Interventor quer “mandato coletivo” (que é inconstitucional), poder de polícia e exige imunidade para os “efeitos colaterais” que o pleno cumprimento da missão provocará.

Os juristas do establishment tranquilizaram os generais ao lembrarem que o artigo 42 do Código Penal Militar protege o comandante e os subalternos quando da execução de ordens superiores. Cabe recordar que o comandante supremo das Forças Armadas é o presidente da República, responsável por todas as ordens operacionais, ou políticas. Em síntese, a lei penal civil e o Código Penal Militar preveem “excludentes de ilicitude” e, por essa regra, a lei não pune quem usa da força para impedir o terror, a desordem, a revolta, o saque e até o desânimo da tropa.

O general Augusto Heleno, ex-comandante das tropas brasileiras no Haiti, mostra que há solução para esse problema: “Nosso ordenamento jurídico precisa de patriotismo para acelerar determinadas providências e permitir que a gente tenha resultados que nos animem a retornar o protagonismo do Estado no uso da violência”.

Agora se discute a possibilidade de enviar tropas brasileiras para a República Centro-Africana. O Estado-Maior das Forças Armadas é favorável porque essa missão garantiria uma dotação orçamentária adicional de R$ 450 milhões, no primeiro ano e, no longo prazo, a operação garantiria fluxo financeiro contínuo. A indústria bélica (blindados e outros equipamentos) também apoia a solicitação da Secretaria-Geral da ONU para que o Brasil assuma o comando da missão.

No Rio de Janeiro a guerra continua sem tréguas e, enquanto houver consumidor de drogas haverá narcotraficantes; enquanto houver políticos corruptos haverá jogo clandestino, roubo de cargas e outras falcatruas mais. Enquanto a sociedade civil organizada apoiar o financiamento das escolas de samba e das facções partidárias pelo crime organizado, a guerra continuará sem tréguas. Enfim, prender, torturar e matar favelado não é a solução para a desestabilização política que grassa no país.

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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