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Paixão e glória do futebol brasileiro

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Apesar de ser um termo em desuso, gosto de escrever como antigamente o termo “bretão” para adjetivar o futebol. Como todo mundo sabe, a despeito da origem inglesa e por mais de meio século, o futebol brasileiro dominou o mundo. Puxa! Como tenho saudades dessa época que encheu todos os brasileiros de grande orgulho. Agora, o futebol tornou-se sinônimo de fraude e roubalheira, esporte de mercenários, infestado de ladrões e cenário de tumultos e violência.

Tudo começou com Charles Miller, que apesar do nome inglês nasceu no Brás, bairro operário da cidade de São Paulo. Porém, quando jovem foi estudar na Inglaterra e ao retornar em 1894, trouxe em sua bagagem uma bola que se usava num novo jogo, impulsionada pelo movimento das pernas e dos pés de dois grupos de marmanjos. Estava nascendo dessa forma uma grande paixão nacional. E nesse belo esporte já fomos cinco vezes campeões mundiais. No ano passado, entretanto, para nossa decepção um time de jogadores medíocres que representou a seleção brasileira, dirigida por um técnico também medíocre, levou uma “piaba” dos alemães. Todas as nossas glorias futebolísticas se esfumaçaram em poucos minutos numa vergonhosa derrota por  7X1.

O futebol é um esporte que leva milhares de torcedores aos estádios, com manifestações de alegria, tristeza e até de violência que, infelizmente, acontecem em muitos lugares. Prefiro, porém, sempre pensar no futebol como um esporte que leva alegria ao sofrido coração do brasileiro. Mesmo assim, não se pode omitir que no espetáculo desse esporte, que envolve muito dinheiro e poder, gravita uma gama de indivíduos que se locupletam dessa “economia da bola”, gerada nos mais diversos setores que a atividade esportiva profissional proporciona. Refiro-me, em especial, aos “cartolas”, dirigentes presidentes, diretores de clubes e empresários de jogadores que enriquecem e se perpetuam na gestão dos grandes clubes brasileiros. São negociantes que, como mafiosos, estabelecem contratos leoninos e tiram proveito de jovens que sonham um dia atingir a glória e a riqueza através dos seus pés. Isso sem falar dos patrocinadores que movimentam somas astronômicas para aparecer nas camisas dos times, dos árbitros e nos estádios.

A podridão dos negócios do futebol ficou bem visível nas obras exigidas pela Fifa para preservar um suposto padrão de excelência no campeonato mundial.

Tivemos um festival de obras faraônicas superfaturadas e não concluídas e com milhões em verbas desviadas. Como previsível, a conta a ser paga (muita coisa nem foi paga) ficou para os brasileiros que, afinal, deveriam ser os principais favorecidos com a construção de vias expressas de transportes, hospitais, novos aeroportos, etc... Basta visitar a cidade de Cuiabá, para ver (e deduzir) o tamanho do estrago que foi feito em nome da Copa do Mundo no Brasil.

Felizmente, alguns espertalhões da Fifa já estão sendo acusados e presos. E, pelo andar da carruagem, a recente instalada CPI do Futebol, capitaneada pelo surpreendente senador Romário,

segue pelo mesmo caminho. Há muito tempo é sabido que a CBF é um antro de oportunistas e uma verdadeira caixa preta do futebol brasileiro.  

Em boa hora o viés da bandalheira empresarial nos esportes já é combatido através de leis que resultaram de campanhas encabeçadas por famosos craques brasileiros. Essa legislação permitiu uma relativa proteção aos jogadores, que eram a parte mais vulnerável desses nojentos negócios. Em contrapartida, os clubes de futebol ficaram em situação delicada, arcando com os prejuízos e muitos deles encontrando-se completamente falidos. 

Outra legislação em vigência é o chamado Estatuto do Torcedor. Entretanto, o seu resultado ainda é duvidoso, sobretudo para coibir a violência nos estádios e entre torcidas organizadas rivais. Em primeiro lugar, é obrigatório fazer o cadastro dos seus membros, em muitos casos,de verdadeiras gangs composta por bandidos que denigrem a imagem do torcedor fiel e apaixonado. Além disso, há casos de envolvimento de cartolas dos clubes que financiam a movimentação desses vândalos do futebol. O torcedor muito doido que se cuide, pois o estatuto também proíbe bebidas alcoólicas, mensagens e ofensas discriminatórias e o arremesso de objetos e fogos de artifício dentro do campo. Nestes casos, os delitos são punidos com a proibição de freqüentar os estádios por três meses.

Além do mais, o torcedor indisciplinado que provocar tumulto ou violência num raio de 5 km. do estádio, ou mesmo portar equipamentos para sua utilização na prática de violência, pode pegar até dois anos de prisão mais multa. Com isso, famílias que admiram e torcem pelos seus times favoritos poderão vê-los ao vivo com tranquilidade.

Neste raro momento de caça aos ratos, a corrupção evidente de alguns cartolas e árbitros do futebol brasileiro (cujas mães inocentes devem ser poupadas) pode estar com os dias contados e quem ganha, com certeza, é o espetáculo e a alegria dos torcedores. Assim, fatos conhecidos e até comprovados que até agora não tiveram a correspondência penal, podem agora receber punição de até 6 anos de prisão mais multas. Refiro-me aos cafajestes que manipulam resultados dos jogos ou aceitam suborno, especialmente aqueles que transformam o futebol em negócio privado e ilícito.

Deixei para o fim a referência a uma atividade que me incomoda muito: a ação dos cambistas que infesta os arredores dos estádios, lamentando que esta legislação não envolva também os guardadores de carros nas proximidades dos estádios, os tais “flanelinhas”. A lei é clara e atinge frontalmente os vendedores clandestinos de ingressos a preços extorsivos, diferente do que está impresso no bilhete. Estes espertalhões também podem pegar até dois anos de prisão mais multa. Neste nefasto negócio, o cambista não age sozinho, porque é uma ação de mão dupla. Explico. Para atuar, o cambista conta com a parceria criminosa de quem vende os bilhetes, ou seja, esse revoltante e espúrio  negócio começa nas bilheterias. Nestes casos, a lei é dura para esses vendedores desonestos com pena que pode chegar até 4 anos mais multa. E não ficou nisso somente, pois a pena pode ser agravada em 1/3 para quem forneceu bilhetes oficiais aos cambistas, se forem servidores públicos, dirigentes da organização do evento ou mesmo empresas responsáveis pelos ingressos. Mesmo assim, os jornais desta semana já noticiaram a venda suspeita de ingressos não oficiais para os jogos olímpicos do Rio 2016.

Reza a lenda que no Brasil tudo pode acabar em pizza. Todavia, temos leis e juízes probos para fazer valer a ordem e o direito.  De minha parte, torço para que a lei que protege o esporte e os seus torcedores possa ser colocada com rigor em prática.

Espero ainda não ter que ler mais notícias sobre violência e corrupção no futebol. Nem no país todo.

Valmir Batista Corrêa

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Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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