Esquerdista, acordando de um sonho, a “Revolução Vitoriosa”

29/04/2018 às 07:49 Ler na área do assinante

Um vizinho meu, de minha rua, é alto funcionário público, mais de R$ 30 mil de salário. Esquerdista até não poder mais, é daqueles que acha que bandido é assim porque é pobre e lhe falta carinho. Preconceito contra os pobres, é claro, mas ele não se dá conta disso.

Numa noite, ele teve um sonho vívido. Sonhou que acordou e leu no jornal:

"Revolução vitoriosa. Propriedade privada abolida em todo país".

Radiante, ele correu ao centro da cidade, onde estava reunida a cúpula da revolução marxista. Logo foi saudado pelo dirigente 1, líder dos sem-teto, que o conhecia:

- Fulano [não posso identificar meu vizinho, ele existe], lindo seu apoio à revolução. Me passe logo a chave de seu carro, estamos precisando de bons carros para transportar nosso povo. Seu apartamento é grande, dará para duas famílias, até já escolhi quem vai morar lá, todos sem-teto.

Um tanto espantado, mas feliz por ser chamado a colaborar com a revolução, meu vizinho concordou. Deu ao dirigente 1 a chave do carro e de seu apartamento numa das ruas mais nobres de Salvador. Seguiu por ali, até mais tarde avistar outro dirigente, melhor posicionado na hierarquia, um político bem situado na esquerda antes da revolução.

Meu vizinho contou, feliz, ao dirigente 2 o que lhe ocorrera no encontro com o dirigente 1. O dirigente 2 não gostou do que ouviu. Mandou chamar imediatamente o dirigente 1.

Tiveram um diálogo presenciado por meu vizinho:

Dirigente 2 - Camarada líder dos sem-teto, temos de prevenir a contrarrevolução. Temos de nos organizar, não fazer nada sem ordem superior e, sobretudo, prestigiar a classe dirigente. A classe dirigente da revolução não pode ser expropriada.

Dirigente 1 - Mas camarada, o fulano aqui tem um apartamento onde cabem duas famílias, é justo que os nossos, que sempre dormiram nas ruas, sejam recompensados na revolução. E eu não sabia que fulano era dirigente, nem que os dirigentes teriam privilégios, achei que devíamos dar o exemplo.

Dirigente 2 - Meu camarada. Nós revogamos a propriedade privada, não a natureza humana. Olhe bem nosso amigo fulano aqui. Olhe a estirpe dele. Nasceu para mandar, não para ser mandado. Esteve sempre conosco, nos apoiando, dando dinheiro para nossas campanhas. Precisamos de bons dirigentes, sem dirigentes a revolução fracassa.

Dirigente 1 - Quer dizer que os dirigentes terão privilégios? Não éramos contra os privilégios?

Dirigente 2 - Não use esse termo, "privilégio", é o que direita sempre disse dos altos funcionários públicos, como o fulano aqui, e não era verdade. Um abnegado, servidor do povo, para o povo. Olhe, vamos encurtar a conversa que tenho de falar com nosso novo presidente em Brasília. Tome aqui a chave de uma mansão em Villas do Atlântico para você e mande seu povo para aquele Minha Casa, Minha Vida no Cafundó do Judas, dá para botar quatro famílias em cada apartamento lá, o povo tem de se sacrificar pela revolução.

Meu vizinho acordou do sonho curado. Sua fé esquerdista desapareceu.

Aurélio Schommer

Membro do Conselho Curador na Fundação Cultural do Estado da Bahia - Funceb e Membro Titular no Conselho Estadual de Cultura da Bahia.

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