Um sonho antigo: a salvação de Corumbá

20/11/2016 às 02:40 Ler na área do assinante

Segundo o querido poeta Manuel de Barros, Corumbá é um lugar onde as coisas desacontecem. Penso nisso quando ainda persiste a discussão da implantação de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) na região. Esta questão é historicamente recorrente e aparece sempre em momentos de crise econômica na cidade. Aliás, essa ideia salvadora não é uma novidade recente na história corumbaense.

Existem informações de que algo parecido já era sonho dos corumbaenses no ano de 1932. É claro que não eram ideias tão avançadas e modernas com as propostas e as facilidades econômicas que envolvem uma ZPE hoje.

Naquela época pensava-se que a tábua de salvação de Corumbá era a criação de um “Porto Livre”. É evidente que esta ideia não frutificou mas permaneceu latente como um desejo precioso a ser realizado.

Em 1967 este sonho voltou a ser revisto pela sociedade corumbaense, como registrava o jornal corumbaense O Momento, de 21.09.1967. Entre as ideias citadas pelo jornal estava a esperança na ligação terrestre de Corumbá com o resto do país, cortando o Pantanal. Ainda segundo o mesmo jornal, com a implantação do porto livre viria além dos benefícios trazidos pela estrada, a construção de uma refinaria de petróleo com o óleo trazido da Bolívia; a implantação da companhia Siderúrgica Mato-Grossense (Cosima) para a utilização da montanha de minério (manganês e ferro). Para o jornal, porém, a extração e a venda da tonelada por um preço aviltante era menor que uma dúzia de bananas (parece não ser uma novidade até hoje). Seria uma verdadeira revolução trazendo a implantação de outras indústrias. Como a história registra amargamente, nada disso aconteceu.

Faço a ressalva de que, em 1970, no governo de Pedro Pedrossian, foi inaugurada a estrada da Integração, passando pelo Porto da Manga, onde o rio Paraguai era atravessado por uma vagarosa balsa. Passei pela primeira vez nesta malfadada balsa em 1971, quando iniciei a minha carreira docente em Corumbá, na antiga Universidade Estadual de Mato Grosso. Por diversas vezes, cruzei a poeirenta estrada da Integração em velhos ônibus da Empresa Mato Grosso. Era uma verdadeira odisseia.

Para efeito de registro histórico curioso, quando cheguei em Corumbá, fiquei sabendo, para o meu espanto, que um grupo de corumbaenses (seria mesmo?) tinha feito um abaixo assinado para que essa estrada não fosse construída, sob a alegação de que a cidade ficaria vulnerável aos bandidos e aventureiros. Teria sido um posicionamento de um grupo que desejava impedir a vinda de concorrentes aos melhores empregos públicos criados na cidade, como se possível fosse manter uma “reserva de mercado”, no linguajar de alguns docentes do antigo Centro Pedagógico de Corumbá-UEMT (hoje UFMS).

Segundo esses “conservadores” era preciso defender os direitos e status da “prata da casa” para impedir que novos “paus rodados” (aqueles que vinham de fora) ocupassem esses postos, sobretudo os de nível federal, melhor remunerados. A bem da verdade, havia quem temesse perder o controle da cidade e o monopólio de cargos e empregos considerados mais nobres e pré-requisito do poder local.

Nos anos de 1990, em pleno governo Collor, o então deputado federal corumbaense Elísio Curvo tirou aquelas ideias de 1932 e 1967 do armário, com uma nova roupagem, mais moderna, e o pomposo nome de ZPE. Foi uma bandeira sem sucesso, muitas vezes ridicularizada pelos próprios corumbaenses. Mesmo assim, a ideia teimosamente continuou a persistir. Em 1993, por decreto do governo de Itamar Franco, foi criada a ZPE, mas ainda dependendo de leis complementares e regulamentares.

E, assim, a coisa continua se arrastando. Em 2007 foi então aprovada a ZPE, com emendas, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Vocês pensam que este calvário terminou? Os jornais então noticiaram que Bataguassu poderia ser a primeira cidade de Mato Grosso do Sul a ter uma ZPE em vista dos processos de Ponta Porã e de Corumbá arrastarem-se nos escaninhos do Planalto e não terem sido analisados. Pelo visto, Corumbá continuará a ver navios no rio Paraguai.

Como dizem os mais incrédulos, parece que existe uma caveira de burro enterrada nesses lugares. Vade retro!.

Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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