Eleições: Festa democrática. Só que não...

12/11/2017 às 10:29 Ler na área do assinante

As eleições para agentes municipais, prefeitos, vices e vereadores, constituem-se, com toda a certeza, o pilar da democracia e do processo de formação da cidadania. Depois de eleitos, os detentores de mandatos continuam a ter contato direto com os munícipes, ouvindo suas reivindicações e suas cobranças. É por aí que começa o aprendizado democrático.

Só que não. É na política municipal que se encontram os germes das mazelas eleitoreiras e seus mecanismos corruptores que, costumeiramente, manipulam os eleitores. A história brasileira está repleta de casos, muitos deles curiosos e folclóricos, e são alvos de frequentes estudos, contos ou até mesmo romances.

Alguns desses estudos tornaram-se clássicos e são leituras obrigatórias para quaisquer entendimentos sobre a história e a política brasileiras. O primeiro deles, por sua importância, é o trabalho de Victor Nunes Leal, que foi ministro do Supremo Tribunal Federal, político, jornalista e escreveu uma tese de concurso para a cadeira de Ciência Política da Faculdade Nacional de Filosofia, sob o título “O município e o regime representativo no Brasil – contribuição ao estudo do coronelismo”, publicado sob o título “Coronelismo, enxada e voto”. Este livro, em diversas edições, até hoje é um clássico da historiografia brasileira e foi o primeiro estudo analítico sobre política regional.

Outro livro fundamental, intitulado “Os donos do poder”, também considerado um clássico, foi produzido pelo escritor e advogado Raymundo Faoro. Membro da Academia Brasileira de Letras e presidente da OAB, Faoro recebeu forte influência das teses do filósofo alemão Max Weber, e situou o período colonial da história brasileira como a origem do estado burocrático e da corrupção política e administrativa brasileira a partir da colonização portuguesa. Existem ainda muitos outros estudos esclarecedores sobre esses temas, produzidos por escritores diletantes ou por professores em suas teses acadêmicas, considerando que o Brasil é pródigo em assuntos e oportunidades para se registrar e estudar os desvios da política e da democracia.

Na verdade, como irmãs siamesas, política e corrupção caminham juntas deste os tempos imemoriais da história humana. Porém, isto não é uma regra geral que envolve e enxovalha a todos indistintamente. Muito pelo contrário. Existem políticos em todos níveis e setores da política nacional que dignificam e honram suas representações. E olha que são muitos.  Mas, infelizmente, o que mais aparece é uma minoria barulhenta e inescrupulosa de políticos que acaba parando nas páginas policiais. São as maçãs podres no meio do cesto, que podem, entretanto, contaminar tudo, se o cidadão não estiver atento.

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Nas recentes eleições brasileiras, ações mais radicais dos tribunais eleitorais têm dado um sentido preocupante ao processo eleitoral. É claro que não é algo novo, mas uma extensão de normas e regulamentações que ocorreram em eleições anteriores. Mas a pergunta que fica é: as tantas restrições que estão cerceando as manifestações eleitorais contribuem efetivamente para o fortalecimento da democracia brasileira? Existem hoje tantos empecilhos à campanha eleitoral que, com certeza, no dia das eleições, uma massa de eleitores chegará às urnas sem conhecer candidatos ou estará totalmente alienada do processo eleitoral, votando apenas por ser obrigatório. Isso pode facilitar os candidatos endinheirados, aqueles que usam dinheiro vivo em troca de votos. E, neste caso, o rigor com o uso do poder econômico abusivo na campanha pode ser um tiro do pé dos defensores das lisuras eleitorais, que agem profissionalmente e até na boa fé para defender o cidadão e a democracia.  Mas o excesso e o detalhamento de regulamentação acabam por criar outras distorções problemáticas.

Torço sempre para que isso não aconteça. E é preciso ir mais além. Creio que muitos candidatos sequer sabem das restrições e das permissões para o desenvolvimento de suas próprias ações em busca de votos. Para os partidos políticos, as regras atuais fragilizam a olhos vistos as suas plataformas e identidades. As grandes coligações permitidas legalmente viraram na TV um mix de caras e números, deixando para um plano muito inferior as propostas partidárias. As próprias siglas praticamente desapareceram nos santinhos e nos programas televisivos. Só interessam a foto, o número e o vínculo com o candidato majoritário mais forte nas previsões das pesquisas de opinião (opinião de quem?). Quem é que presta a atenção na dezena de milhar (para lembrar aquele jogo popular), que representa o partido do candidato X que apoia o “prefeitável” Y com outro número? Está servida nas campanhas a famosa sopa de números...

Entendo que pode ser um erro histórico a ação repressiva se sobrepor à ação educacional. As soluções apresentadas pelos políticos para modificar esses entraves, e a precariedade de nossas formas de escolha e de representações políticas, podem estar na decantada e tão falada reforma política, que não sai nunca. O que se fez até agora em matéria de disciplinar e corrigir o processo político foi remendar tecido podre. Não vai prestar.

A democracia é uma flor frágil e delicada, necessitando ser cuidada dia a dia. Seu alimento é a cidadania. O que iremos colher se essa flor fenecer?

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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